22 abril 2005

R$ 9,00

por Guy Vasconcellos

O fato aconteceu já faz um tempo, mas deu uma vontade danada de contar agora... Eu sempre escutei que é um perigo andar na rua fora de hora, mas, teimoso, preferi ver pra crer. Há três anos, quase todo dia eu volto a pé os quase cinco quilômetros que separam a casa da noiva da minha, mais ou menos na hora do “Jornal da Globo”. Mas, foi justamente quando passava o “Domingo Maior”, quando a rua estava tão quieta e vazia como de costume, que quatro moleques vieram me pedir emprestado vinte centavos. Ficando eles ao meu redor, me encostaram na parede e eu entendi a necessidade deles comprarem fósforo no bar ali adiante.

Enquanto eu pegava a carteira no bolso de trás, o empréstimo já foi sofrendo o peso da inflação. “Me dá um real aí!”, pediu o maior deles. Parecia ter umas dezoito mãos estendidas. Coloquei a nota em uma delas, voltei a carteira no bolso e tentei abrir caminho no meio da rodinha. O que pegou a nota foi embora. Os outros três também quiseram negociar. Consegui então ir para o meio da rua, onde um carro estava passando. Seria a minha salvação, se ele não tivesse desviado e passado devagarinho ao nosso lado, olhando os detalhes do que iria contar em casa quando chegasse. Os três ignoraram a passagem dele e me convenceram que cada um merecia um real também. Não pechinchei. Abri novamente a carteira e a cada um emprestei uma nota. Depois quis ir embora, mas parece que eles tinham gostado de negociar comigo. O mais falante me tomou a carteira, levou os outros cinco reais que ali restavam e jogou ela no chão. Aí fomos todos embora. Eles para lá, sorrindo; eu pra cá, nove reais e alguma tremedeira mais pobre.

Eles não tinham nada a perder, muito menos a oportunidade de pegar fácil os nove reais do primeiro bobo que encontrassem na rua numa hora daquelas. Devem ter comprado fósforo para o ano inteiro. Na situação deles, acho que eu faria o mesmo. Pensei em ir cobrar meus nove reais do rapaz do carro que passou e que, se parasse ou desse uma simples buzinada, quem sabe desanimaria o grupo de negociar comigo naquela noite. O rosto dos que me roubaram eu nem lembro, mas o olhar daquele que passou e ficou só assistindo a cena eu não esqueço nunca mais. Não esqueço porque sinto um nó na garganta de pensar que, no lugar dele, eu talvez fizesse o mesmo...

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