15 abril 2005

31 Canções

Ler a versão original de 'High Fidelity', em inglês, é qq coisa. Já gostava muito do filme, mas aqui vale o clichê: a versão escrita é imbatível. A leitura faz parte daquele plano doido de montar um roteiro de viagem (UK) bem particular. O livro cita alguns pubs e bairros, mas é mais econômico (geograficamente falando) que 'Febre de Bola', do próprio Hornby, e 'Reconhecimento de Padrões' do William Gibson.

A espinha dorsal da história são os amores e fossas de Rob. Que é dono de uma loja de discos de vinil (CDzão, como diz o Brunô). Daí que o pano de fundo, coadjuvante e trilha é o fantástico mundo da música pop. (Já postei uma coletânea que montei com base no livro e no filme.) Eis que Hornby lança '31 Canções', uma coletânea de sons que, por algum motivo, o marcaram. Tem de tudo: de Led a Santana, passando por Bruce Springsteen e Nelly Furtado(?).



É uma leitura leve e, pra variar, muito gostosa. Vou surrupiar um trechinho:

Heartbreaker - Led Zeppelin

"A interpretação tradicional que dão aos jovens e sua fixação por heavy metal (ou nu-metal ou rap metal) fala de guitarras que servem de substitutas para o pênis, homoerotismo e todas as coisas que sinalizam perversidade, confusão sexual e neuroses intratáveis e mórbidas. É verdade que passei um curto período apaixonado pelo guitarrista irlandês de blues-rock Rory Gallagher (não fui correspondido) e é verdade que, nos primeiros três ou quatro anos de minha vida de fã de rock, eu só ouvia cantores que aceitavam alegremente comer roedores e/ou répteis. Não obstante, suspeito da existência de uma explicação musical, em vez de patológica, para minha paixão inicial pelo Zeppelin, Sabbath e Deep Purple, isto é, minha incapacidade de confiar em meu julgamento de uma canção. Como um adulto pretencioso mas obtuso que não vai assistir a um filme a menos que tenha legendas, eu não escutava nada que não estivesse sufocado por guitarras elétricas barulhentas e distorcidas. De outro modo, como eu poderia saber se uma música valia alguma coisa? Canções tocadas ao piano ou violão, por gente sem bigode e barba (garotas, por exemplo), gente que comia salada em vez de roedores... bem, poderia ser uma música ruim tentando me enrolar. Podia ser gente fingindo ser os Beatles, mas que não era. Como iria eu saber, se estavam todos disfarçados daquele jeito? Não, melhor evitar todo esse papo de bom ou ruim e em vez disso me agarrar ao barulho. Com o barulho, você não tem como errar muito."

...

"Para mim, aprender a amar canções mais calmas - canções de country, soul e folk, baladas cantadas por mulheres e tocadas ao piano, viola ou uma porra dessas, canções harmoniosas com nomes como "Carey" não tem a ver com ficar mais velho e sim com o fato de adquirir confiança musical, capacidade de julgar por mim mesmo. Às vezes parece que, a cada ano que passou, uma camada de guitarra suja foi raspada fora, até eu enfim ter atingido o estágio de, espero eu, saber distinguir uma boa canção de George Jones de uma ruim. Canções assim despretenciosas, sem uma pitada de Stratocaster por cima delas, são assustadoras - você tem que chegar a alguma conclusão sobre elas por você mesmo."

...

"Em algum momento dos últimos anos, descobri que minha dieta musical estava light nos carboidratos e que os riffs do rock são essenciais para a nutrição - especialmente a bordo de um carro ou em uma turnê de divulgação de um livro, quando se precisa de algo rápido e rasteiro para encarar um longo dia. Nirvana, The Bends e The Chemical Brothers reestimularam meu apetite, mas só o Led Zeppelin conseguiu satisfazê-lo; na verdade, se um dia eu tivesse que cantarolar um riff de blues-metal para um alienígena perplexo, eu escolheria o de "Heartbreaker", do álbum 'Led Zeppelin II'. Não estou certo de que o meu "DANG DANG DANG DANG DA-DA-DANG, DA-DA-DA-DA-DA DANG DANG DA-DA-DANG" seria especialmente esclarecedor para ele, mas eu julgaria ter feito um trabalho tão bom quanto o permitido pelas circunstâncias. Mesmo escrito desse jeito (se bem que com a ajuda das maiúsculas), para mim parece que a gloriosa e imbecilizante barulheira da faixa é transmitida eficiente e inequivocamente. Leia de novo. Viu? É rock and roll."

"A coisa de que mais gosto na redescoberta do Led Zeppelin é que eles não podem mais ser acomodados confortavelmente em minha vida. Muito do que você consome quando fica mais velho tem a ver com a acomodação: tenho filho, vizinhos e uma companheira que poderiam ser bastante felizes sem nunca mais ouvir um riff de blues-metal ou um bate-estaca na vida; tenho menos tempo, menos tolerância para porcarias, mais interesse pelo bom gosto e mais confiança no meu próprio julgamento. A cultura da qual me cerco é um reflexo de minha personalidade e das circunstâncias de minha vida e em parte é assim que as coisas têm que ser. Entretanto, ao aprender a fazer isso, também se perdem coisas e uma das coisas que se perdeu - junto com o gosto por, sei lá, dramas de hospital com criancinhas doentes e filmes experimentais - foi Jimmy Page. O ruído que ele faz não é mais quem eu sou, mas ainda é um ruído que vale a pena ouvir; é também um lembrete de que a tentativa de ficar mais esperto tem um preço."



Hornby é leve mas sempre deixa um "q" meio amargo né? Sei lá... ele já está com 48. Mas eu espero chegar lá sem a obrigação de deixar Led, Jimmy, Jimi e todos os outros "barulhentos" em um canto escuro da memória. Eles são necessários. Para desespero dos filhos, vizinhos, companheiras...

ps: Cantarolar um riff de blues-metal para um alienígena??? Q papo de varginhense, hehe...

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