26 abril 2008

[1005] Lenine | O Dia em que Faremos Contato (1997)

Ok, talvez seja um padrão: 1 disco nacional, 2 gringos. Este é o quarto complemento ao livro "1001 discos para ouvir antes de morrer".

Lenine, assim como Chico, já gravou disco ao vivo (InCité (2004)) na França. Tem uma bela coleção de fãs fora de Pindorama. Mas, como tantos outros, passou bem longe do radar de "1001..." que, como já acusei aqui, achou espaço até para o Carlinhos Brown. O lado exótico de nosso país-continente sempre merecerá mais espaço, não tem jeito. Não importa: entortou ou ignorou, a gente acha prumo. Sem necessidade de ricursos que minguam toadas outras.

Lenine já foi precoce; em 83 lançou um tal "Baque Solto" que ninguém (ou)viu. Tinha 23, mas sei nada de sua história. Ele só voltou em 93, com "Olho de Peixe", em dupla com Marcos Suzano. Violão, voz (nordestina) e pandeiro. Incompleto mas promissor. Faltava alguma coisa. Faltava estrada. Faltava contato.

"O Dia em que Faremos Contato", de 1997, achou tudo o que faltava. 4 anos de contato foram suficientes para Lenine lançar um dos melhores discos brasileiros dos últimos 20 anos. Eclético, completo, faminto. Sei nada da história dele, mas tenho certeza que ele tinha material para um álbum triplo! Deveria ter lançado... não fosse amarrado numa gravadora do século passado. Aliás, ele ainda estava no século passado. Sua música não.

Trip hop, samba, rock, maracatu, pop, frevo... Lenine pisa em tudo, com passos leves e bem marcados, sem esconder uma personalidade única. Mix inteligente é assim, completo e original. "A Ponte" abre o disco com uma comovente narração d'um garotinho-músico. Tem guitarra distorcida e brincadeiras róseanas: "Nagô, Nagô, Na Golden Gate".

A segunda faixa, "Hoje eu Quero Sair Só", é um clássico de 11 anos. A guitarra decorativa apareceria em qualquer lugar, até num Pink Floyd ou Gil. Pintou aqui, brigando com (não contra) um pandeiro (de Suzano, claro). "Vem cá, me deixa fugir. Me beija a boca. Às vezes parece que a gente deu um nó. Hoje eu quero sair só..." A lua, que já apareceu em outros Lenines de forma igualmente poética, aqui o chama: "Eu tenho que ir pra rua" ("A Lua me Chama"). Quem não tem o disco perde o maravilhoso epílogo (só grafado no encarte):

"Homem solteiro é lobo solitário: a neve não cai no chão onde ele pisa. Ninguém pegue no meu pé, nem pise na minha pegada.
Homem sozinho à noite é caçador e caça, fica uma trilha de desejos e assombros por onde passamos, eu e minha sombra..."

Como escrito, no disco anterior são basicamente dois instrumentos. Agora Lenine tinha uma "orquestra" ao seu dispor. Seu violão corria o risco de virar rabisco. Não vira, graças ao baixo de Liminha (adorável antipático onipresente) e a produção de Chico Neves. Seguem-se "Candeeiro Encantado" (É Lamp!) e "Etnia Caduca", marcas fortes da origem nordestina, pernambucana e nada provinciana. Até que pinta "Distantes Demais", dueto com Dudu Falcão (na composição) e outro com Toninho Ferraguti (na execução, tocando acordeom). A voz de Lenine se transfigura, é quase feminina. Linda.

A faixa que dá nome ao disco é um achado. Os efeitos do Chico Neves desenham um disco voador perfeito (olha que sou de Varginha! Sei do que falo). Samba moderno, sem rock, com letra que todo samba deveria ter. Perdão: eu deveria transcrever um pedacinho. Impossível. A letra toda é fantástica.

Assim como é fantástica a 8ª faixa, "Aboio Avoado", que dura um minuto exato. Sem instrumentos, sem nada. Só a voz de Lenine. Já a mixei em vários momentos, mas Chico Neves tá certo: como abertura de "Dois Olhos Negros" ela é imbatível. Aliás, "Dois Olhos Negros" é imbatível. Quase... a versão no "Acústico MTV", com Igor "Sepultura" Cavalera na batera, consegue ser melhor. Duvida?

Se este disco tem um pecado é o fato de "Pernambuco Falando para o Mundo" não fechar o disco. Encerramento que seria perfeito. Pedir demais do Chico (Neves), né? A faixa é um mix-homenagem: Luis Bandeira ("Voltei Recife"), Capiba ("Frevo Ciranda"), Alceu Valença ("Sol e Chuva") e Chico Science ("Rios, Pontes e Overdrives") - 4 gerações e estilos de Pernambuco - maravilhosamente compilados num único som. Lenine é gênio (quando quer).

A capa, retrô, foi surrupiada do livro "O Homem Eterno" - da série Futurâmica da Ediouro. Belo achado - bela sacada. Tanto quanto o Zéfiro da capa de "Barulhinho Bom", de Marisa Monte (outra sentida omissão de "1001...". Ou seja, tenho muita matéria prima pra queimar!).

06 abril 2008

[1004] R.E.M. | Fables of the Reconstruction (1985)

O R.E.M. ganha a mídia de novo, com o lançamento de Accelerate. Há 4 anos eles não lançavam um disco de estúdio. Mas a agitação tem outro motivo: depois de Up (1998), Reveal (2001) e Around the Sun (2004), o REM resolveu pegar pesado de novo. Os tic-tacs eletrônicos cedem espaço para uma bateria de verdade; a guitarra ficou distorcida de novo, não como em Monster (1994), mas bem mais pesada do que aquela dos últimos discos. O REM sempre foi assim, uma banda em eterna metamorfose - com várias idas e vindas. Em seus quase 30 anos de carreira, algumas pérolas ficam perdidas. A maior delas é Fables of the Reconstruction, 3º disco da banda, lançado em 1985.

Claro, o REM não foi ignorado em "1001 discos..." Marcou presença com Murmur (1983), Document (1987), Green (1988) e Automatic for the People (1992). Quatro discos! Então, qual a razão para acrescentar o desconhecido "Fables.."? Simples: é o álbum mais injustiçado dos 14 lançados pelo REM.

Lá em 85 o REM ainda era rotulado como "college band", "guitar band" e outras bobeirinhas de críticos. Seus dois primeiros discos detonaram nas rádios universitárias. Eram muito parecidos. Mesma produção, mesmo ambiente, mesmo estilo de composição. Mesmo tipo de engano inocente cometido pelos contemporâneos do U2. Banda nova quer experimentar e aprender, esticar e empreender. A rotina mata. O REM trocou Athens (Georgia) por Londres. Trocaram também de produtores, escolhendo Joe Boyd, que nos 70's havia trabalhado com gente como Fairport Convention e Nick Drake. Era mudança pra valer.

Engana-se quem pensa que o som envelheceu. Claro, o efeito "modernizante" não foi tão chocante quanto aquele que Brian Eno conseguiu com o U2, mas o REM nunca mais seria o mesmo. Tudo que os transformou em superbanda conhecida mundialmente foi rabiscado e tentado em "Fables..."

"Feeling Gravitys Pull" abre o disco com a mesma força que "Drive" abre "Automatic..." "Maps and Legends", a 2ª faixa, é a cara de "Losing my Religion". "Driver 8" remonta o antigo REM, enquanto "Old Man Kensey" mostra aqueles backing-vocals que se tornariam uma das várias marcas registradas da banda. A sexta faixa, "Can't Get There from Here" é quase um funk, alegre e com muito swing. Estilo que se repetiria com mais sucesso em outros discos. A guitarra de Peter Buck nunca foi tão original. A voz de Michael Stipe nunca foi tão seca, o oposto de seu estilo tradicional.

Talvez para não assustar tanto, a música seguinte volta ao "velho" REM de "So. Central Rain" e afins. Trata-se de "Green Grow the Rushes", simples e eficiente.
E segue assim por três faixas, nítido porto seguro da banda e do produtor. Até que chega "Good Advices" que, ao lado de "Maps..", "Driver 8" e "Can't Get..." é um dos melhores momentos do álbum. Stipe lembra que "home is a long way away". Clara saudade. Se terminasse por aqui já estaria acima da média, mas eles trataram de fazer um dos melhores encerramentos de discos de todos os tempos. Colada em "Good Advices" começa "Wendell Gee", uma balada tão bonita que dói. Levada num mandolin que retornaria no disco "Green" de 88, em outra balada obrigatória do REM, "You are the Everything".

A capa do disco, como quase todas dessa fase da banda, é poluída e meio tosca. Vale mais a enigmática montagem que aparece na parte interna do encarte. Mas, imbatível mesmo é a brincadeira que o título do disco permite: "Fables of the Reconstruction" é grafado de tal forma que também permite outra leitura: "Reconstruction of the Fables".

O REM já estava pronto - reconstruído. O mundo ainda demoraria uns 3 discos pra saber; pra entender. "Fables..." é um disco perfeito demais para uma banda iniciante. Talvez seja por isso mesmo que fique jogado num canto toda vez que alguém tenta listar os melhores momentos do REM.