24 agosto 2007

Ponto Morto

Tem mais de ano. É sempre a mesma solução. Ligo a máquina, acompanhado d'uma xícara de café e de um Marlboro. Só tem dois "to-dos" na agenda: quero a tarde livre (todas as tardes das sextas eram livres para meu velho). Bate-volta pra Sampa, um futebol bem corrido na noite de ontem. Te deixa meio "comfortably numb", o que aqui em Minas a gente chama de "desnarpado". Na frente da máquina (o computador), minha primeira coisa é escolher a "trilha sonora". Por isso eu falei de "solução" na 2ª frase deste parágrafo meio "desnarpado".

A mesma solução? Qual o problema? Escolher uma trilha para uma sexta "desnarpada". Dezenas de milhares de sons, mais de mil bandas e estilos diferentes. Mas, como eu disse, tem mais de ano que a solução é a mesmíssima: Mojave 3.

Mais precisamente, o disco "Excuses for Travellers", de 2000. Foi o disco que me apresentou a banda, que é inglesa e tem outros 4 trabalhos. Nenhum tem o poder de "forro para um dia desnarpado" do "Excuses..." Ok, a banda é inglesa e dos anos 90. Mas não tem nada a ver com os modelitos que imperam na terra da rainha. Passa longe do papo-cabeça Radiohead (ufa!), do pop reciclado do Coldplay, da estridência de Oasis e Stereophonics. Mais importante, também fica muito distante das fôrmas oitentistas tipo Smiths, Cure, New Order e U2. Ah, também não tem nada a ver com outra banda que curto, o Doves. Ou seja, a rainha conseguiu parir uns súditos meio diferentes.

Mas o som dos caras não tem nada de muito original não. Para um desafisado, parece som da minha querida (e esquecida) Junkyage* - 60's - 70's (pré-lixo a.k.a. pré-punk). Traduzindo: baseia-se em violão, guitarras cruas, slide guitars, pianinho, um gaitinha aqui e uns instrumentos estranhos ali (outros sopros). Vocal preguiçoso, mas bem longe de Luna ou Lou. É preguiçoso mas tem "cola". E as harmonias são bonitas demais. Belas e simples.

O melhor media player do mundo, o Amarok (pronuncia-se "AmA Rok" - haha!, tem uma característica que se chama "mood". Tipo assim: pega o som que você tá escutando e tenta adivinhar seu "estado de espírito". Aí encaixam bobeirinhas tipo: tá triste, tá alegre, tá excitado, tá desesperado! Seria um recurso legal se fosse sacana. Por exemplo: o cara tá escutando "Triste Bahia", do Caetano. Mood: ou o cara tá morto ou tá pra lá de bêbado! hehe..

Então, na sequência sacana, tinha que ter o mood "desnarpado". Para o entendimento dos iletrados, pode chamar de "ponto morto" (ou "idle"). A sensação... como descrever a sensação. Talvez assim:

Você tá num carrão 60 (Mustang ou algo do tipo), e pega um "longo trecho em declive". De forma um tanto irresponsável, você engata o "ponto morto"... arreganha as janelas, sente o cheiro dos eucaliptos e o frio agradável do morro. Pena que não dá pra fechar os olhos... Taí o mood "desnarpado". E se, lá embaixo, tiver uma bela praia ou vale, algo cheio d'água, é sinal que o disco tá acabando. Começou "Bringin' Me Home", a única com o vocal da Rachel Goswell. A viagem sem desculpas (por que é feita sem culpa), termina com "Got my Sunshine".

Sacou o solão que tá lá fora hoje? Que bela e desnarpada sexta!

07 agosto 2007

Cinema Cabeça

Com poucas horas de diferença deixaram a vida terrena dois "gênios" do cinema: Bergman e Antonioni. Até o último domingo tentei ler tudo que publicaram sobre os dois. Do "Mais" da Folha até o Agamenon do Globo. Dois extremos e um denominador comum: o papo-cabeça, também conhecido como "espanta mortais normais".

Há muito tempo, no tempo da locadora "7ª Arte" lá pelos lados da rodoviária, eu vi algumas coisas do Bergman. Não me pegou. Mas também não espantou. Só questão de gosto mesmo. Por exemplo, aprendi por vias tortas que dá pra discutir temas semelhantes vendo uma certa safra do Woody Allen. Woody seria um Bergman para preguiçosos... hehe. Perdão: é tão falso quanto conhecer um livro pelo filme. Você deprecia o original. No próximo inverno, se as locadoras de Varginha deixarem, eu prometo que assisto uns 3 Bergman. Fila: Sétimo Selo, Morangos Silvestres e Fanny & Alexander. Só o último, de 82, eu já vi. Mas não tenho condições de apreciar.

Já de uma parte da obra do Antonioni eu posso falar. A parte que eu chamo de Trilogia do Ácido. Trilogias estão na moda, não? Então, Antonioni fez, entre 66 e 75, uma Trilogia. Sem querer. Tanto que ela não tem rótulo. Alguns podem falar em trilogia do "still haven't found what i'm looking for" (ou trilogia da busca infrutífera). Outros vão falar da trilogia "terra estranha". Estranho numa terra estranha é nome d'outro clássico. Mas também combina com essa safra do Michelangelo.

Saca só o início: Adaptação de um conto argentino (Cortazar), situando-o na Swinging London - a Londres festiva de 1966. O diretor, reparem, é italiano da gema - de Ferrara. Beatles já era Beatles. Stones era droga pura, ou seja, Stones. Mas, para a trilha sonora, Michelangelo convocou um pianista estadunidense: Herbie Hancock, na flor da idade e da criatividade. Herbie sabia o que tava acontecendo em Londres? Lhufas... Para decorar o cenário Antonioni convocou uma bandinha cult, os Yardbirds. Tem Jeff Beck (despedaçando uma guitarra) e Jimmy Page com cara de carrocho que caiu da mudança. "Blow Up" é pop puro! É cultura global antes da invenção da globalização. E é uma busca.

Colaram um papo cabeça na tal da busca. Muitos se chateiam porque "o filme não tem fim". Parece que todo filme-cabeça não tem fim. E fim, para todos letrados em folhetins globais, é item obrigatório! Como aceitar então um filme sem pé nem cabeça? Preconceito... preguiça. Você encontra tudo que busca? E se a apreciação da busca for tudo o que interessa? Mas não vou chateá-los com questões "cabeça".

Liberto da Itália de Visconti e Fellini (hahaha), Antonioni pulou de Londres direto para o vale da morte nos Estados Unidos. "Zabriskie Point" fala (sem dizer) da contra-cultura no novo mundo. Os EUA explodiam com seus hippies, panteras negras, vietnans e tantans. Antonioni colocou Morrison, Janis ou Hendrix na trilha? Não. Na mesma contramão que levou Herbie para o Reino Unido, trouxe Pink Floyd para terras apaches. Outra busca, agora não tão solitária. Outra busca sem fim.

A Bota que atrai é a mesma que chuta. Michelangelo então cai na África e na Espanha. Leva na mochila uma mega-estrela californiana, Jack Nicholson. Joga-o não só numa busca, mas também em um esconderijo. Outra pessoa. Outra vida. Surrupiada d'um defunto. Aqui a trilha é o silêncio. E um tiro. Aqui Michelangelo fecha uma trilogia não programada - que só existe na cabeça d'uns loucos (como este que vos escreve). Aqui (no Brasil), a obra deixou de ser "The Passenger" para virar "Profissão: Repórter". Não é por acaso que o Kubrick, outro saudoso, cuidava inclusive da tradução dos títulos de suas obras. Nevermind... O Passageiro passou... em 75.

Qual foi a pergunta mais comum dos passageiros (repórteres) tupiniquins? O "cinema cabeça" morreu com a morte de Bergman e Antonioni? Hehe... Rio chorando. Quem rotula morre de medo que os rótulos morram. A segunda pergunta? Quem os substitui hoje? Hehe... busca de sobrevida para rótulos. Quem faz esse tipo de pergunta deveria se perguntar: sou substituível? Para quem?

A gente passa. Algumas idéias e obras ficam. As de Antonioni e Bergman estão aí... e ficarão por tempo indeterminado. Curta-as. Não esquenta com o papo cabeça.