18 setembro 2008

Fumaça na Narina dos outros...

... é Chanel Nº 5. E o Serra pode até enganar as nêga dele. Eu não. Nunca... Nunca é muito. Não engana desde que engatou um discurso TFP (tradição, família..) no desespero da iminente derrota de 2002. Sua sanha autoritária-reacionária desfraldou-se, esfarelou-se... Mas desconfio que paulista adora muito tudo isso. E, por isso mesmo, acatará como um porquinho de pernas pro ar aquele tal Projeto de Lei que proíbe o fumo em tudo quanto é canto.

A velha coerência paulista e paulistana. Veja bem. Se tal proposta brotasse num canto como o meu aqui, de ar muito puro, talvez até tivesse algum sentido. Mas em São Paulo?!? Só se a gente combinar uma coisa: ninguém mais fuma se nenhum carro mais circular. Aliás, na próxima segunda dá pra fazer um belo teste: Dia 22/set é o *Dia da Jornada: "Na Cidade sem Meu Carro"*. Alguém se lembra? Alguém vai cobrar? Alguém vai mostrar aquele tantão de carro desregulado cuspindo feias fumaças que sobem apagando estrelas?

Claro que não. Mas todos (81%) estão loucos para ver o fumo banido dos recintos fechados. Bidu! Sim, sou fumante. Neste exato instante saboreio um Marlboro em meu semi-fechado porão. Não questiono os males causados por esse vício. Muito menos o tanto que ele afeta os chamados 'fumantes passivos'. Mas rogo por um estudo que mostre a contribuição dos cigarrinhos para a péssima qualidade do ar de Sampa e arredores. Suplico por uma mente ainda provida d'um mínimo bom senso que mostre que todo esse ataque, se dirigido contra vícios etílicos - por exemplo, faria nossa sociedade bem melhor.

Adoro detestar o Guzzo, assim como quase todos os colunistas da Veja. Mas sua última coluna é um show de pragmatismo e informação:

"Os números oficiais são capazes de qualquer coisa. Sugerem, por exemplo, que falta dinheiro para a saúde porque o SUS gasta muito com doenças causadas pelo fumo; cerca de R$ 340 milhões por ano, segundo um trabalho recente da Fundação Oswaldo Cruz. (Seria interessante observar, a respeito, que só a Souza Cruz, a maior fabricante de cigarros do país, pagou acima de US$ 3 bilhões em impostos sobre suas vendas em 2007)."

Real... dólar... Onde foram parar os outros US$ 2,8 bi? Pagando gonorréia, conjuntivite, cirroses e mononucleoses?!? Por favor, respeitem nossa pseudo-inteligência...

Mais Guzzo: "O Ministério da Saúde manda escrever nos maços de cigarro que existem ali 'mais de 4700 substâncias tóxicas'. Mais de 4700? Como um ser humano poderia continuar vivo engolindo tanto veneno assim?"

Da mesma forma que sobrevivem em Sampa, diria um cínico.

Sampa merece! Merece porque vive inventando problemas para esconder os verdadeiros. E adora o 'me-engana-que-eu-gozo'...

Por força do trampo, seguirei visitando-a. E prometo que, no dia em que ela se tornar a imagem idealizada de Serra onde canta sabiás, só acenderei meu cigarrinho no Palácio dos Bandeirantes... zona neutra... único lugar onde tudo é permitido. Até governar!

15 junho 2008

Memo Nº 2

Pra não perder o que coloquei "Na Memória" (ao lado):


Deitados nos catres, os cegos esperavam que o sono tivesse dó de sua tristeza. Discretamente, como se houvesse perigo de que os outros pudessem ver o mísero espetáculo, a mulher do médico tinha ajudado o marido a assear-se o melhor possível. Agora havia um silêncio dorido, de hospital, quando os doentes dormem, e sofrem dormindo. Sentada, lúcida, a mulher do médico olhava as camas, os vultos sombrios, a palidez fixa de um rosto, um braço que se moveu a sonhar. Perguntava-se se alguma vez chegaria a cegar como eles, que razões inexplicáveis a teriam preservado até agora. Num gesto cansado, levou as mãos à cara para afastar o cabelo, e pensou, Vamos todos cheirar mal. Nesse momento principiaram a ouvir-se uns suspiros, uns queixumes, uns gritinhos primeiro abafados, sons que pareciam palavras, que deveriam sê-lo, mas cujo significado se perdia no crescendo que as ia transformando em grito, em ronco, por fim um estertor. Alguém protestou lá no fundo, Porcos, são como os porcos. Não eram porcos, só um homem cego e uma mulher cega que provavelmente nunca saberiam um do outro mais do que isto.


- José Saramago ("Ensaio Sobre a Cegueira")

Scratch #092



Por William Gibson, em Florença.

13 junho 2008

É o que Me Interessa

Daqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
A sombra é uma paisagem
Quem vai virar o jogo e transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado só de quem me interessa

Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Por trás do seu sossego, atraso o meu relógio
Acalmo a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurre em meu ouvido
Só o que me interessa

A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa



Já tem uns 6 anos que o Lenine não lança um disco com músicas inéditas. Desde então, só pequenas obras primas soltas aqui (In Cité) e ali (Unplugged). A última, transcrita acima, é d'uma beleza única. Bela e instigante. Bela e triste quando decora os passos de Flora, personagem de Patrícia Pillar em "A Favorita".

Como Lenine já esgotou os artifícios usados por gravadoras para lucrar com artistas lentos (e/ou preguiçosos), os "ao vivo" e "acústico" da vida, espera-se que finalmente ele lance um novo disco. Enquanto isso, dá-lhe "repeat" numa faixa de uma trilha sonora de novela da Globo!?!?

17 maio 2008

[1006-1007] Deep Purple | Burn (1974) | Come Taste the Band (1975)

Uai... 2 discos de uma vez? Pois é, não temos convenções nem regras aqui. E a motivação para a inserção dessas obras do Purple é o lançamento de "Good to be Bad", do Whitesnake. Foi indicado até na Veja?!? Som H3 (Hetero - Hard - Heavy) virou moda de novo? hehe.. Viadagens e sons cabeça-tristonhos devem ter dado no saco. Daí o novo bafafá em torno de Led, Coverdale e o bom e velho Hard Rock. Boa hora para colocar na vitrola dois discaços ignorados em "1001 Discos para Ouvir antes de Morrer".

1974. O Purple se desmanchava pela segunda vez. O fracasso de "Who do We Think We Are" (73) foi a gota d'água que faltava para Glover (bss) e Gillan (voz) deixarem o barco. O trio que ficou (Lord (kbd), Paice (drm) e Blackmore (gtr)) deu uma sorte danada e conseguiu arrancar o excepcional Glenn Hughes do Trapeze. Voz e baixo num só cara. Seria suficiente, mas os caras pegaram um vocalista também, um balconista chamado David Coverdale. Apesar da manutenção do núcleo da banda, a alteração no estilo do som é nítida. Um certo swing de origem estadunidense abre outros horizontes para a banda em "Burn". "Might Just Take Your Life", a 2ª faixa, é a que mostra a alteração de forma mais escancarada. Relativo alívio para a porrada que é "Burn", a faixa de abertura. O riff de abertura e os solos de Blackmore e Lord são puro Purple, coisa que não fica devendo nada para "Smoke on the Water". Mas tinha uma novidade ali no meio: duas vozes. Duas baita vozes. Enquanto Coverdale cuida da coluna da música, Hughes esgüela na ponte e no refrão. Puxa, se nossas duplas sertanejas fizessem 1% disso...

O disco é bem homogêneo, todo bom. Mas tem um ponto de destaque absurdo: "You Fool No One". A bateria do rock nunca tinha sido tão original até esta introdução do Paice - nada parecido fora gravado até então. É a única faixa em que Hughes e Coverdale cantam juntos o tempo todo.

Até então o Purple não era muito chegado em baladas. Só havia gravado "When a Blind Man Cries", um lado-B de "Machine Head" (72). Dá pra imaginar Coverdale sem baladas? Pois bem, sua estréia é com "Mistreated", um blues-baladão dramático pra chuchu. Aqui Coverdale inventaria uma de suas marcas registradas, o "baby baby baby". Aqui Blackmore faria seu último grande solo desta fase.

Ainda em 1974 eles lançariam "Stormbringer" e se desmanchariam de novo. O mala do Blackmore não aguentou a guinada no som da banda, cada vez mais USA-oriented (lá estavam a grana e as grandes turnês e as grupies mais gostosas - não necessariamente nest ordem).

Mas os caras deram sorte de novo: conseguiram convocar um dos melhores guitarristas da época, Tommy Bolin. Doidão eclético e muito talentoso que tocou com Zephyr (lembra Janis vitaminada), James Gang e no disco de jazz-fusion "Spectrum", do baterista Billy Cobham. Bolin só colocou uma condição: manteria uma carreira solo em paralelo. O cara estava numa fase de hiperprodutividade, a la Hendrix em 66-68, e precisava de mais veículos para despejar suas crias.

Para sorte nossa o momento da entrada de Bolin no Purple está bem documentada: dois discos, "Days may come and days may go" e "1420 Beachwood Drive" mostram os ensaios. Jams imensas com 10 e 12 minutos, improvisos e sons como "Statesboro Blues" e "Dance to the Rock & Roll" estão ali, gravados ao vivo numa garagem californiana.

Mas o ápice deste Purple Mark IV está em "Come Taste the Band", lançado em 1975. Logo na faixa de abertura, "Comin' Home", as diferenças entre Bollin e seu antecessor ficam claras. A guitarra agora é mais leve, solta. Tem menos "técnica de conservatório" e mais pó de estrada. O resto da banda, particularmente Hughes, parece adorar a mudança. Lord pega o clima com um teclado menos sisudo, mais pianinho. O disco segue assim, deixando pistas que caracterizariam muito do som que apareceria anos depois, na forma de Whitesnake's, Def Leppard's e todas as bandas de hard rock estadunidenses. Engraçado, mas muita gente não atribui tal "culpa" ao Purple de 75. Pô, escutem "Gettin' Tighter" e vejam quantas vezes aquela introdução foi surrupiada nos anos 80.

Era época de LP's - lado A, lado B. Naqueles tempos o produtor podia esconder algumas surprezinhas no lado "desprezado" dos discos. Está ali uma das baladas mais bonitas dos anos 70, "This Time Around". Hughes não escondia o tanto que gostava (e copiava) Stevie Wonder. Aproveitou esta faixa (sem Coverdale) para mostrar toda a influência de Wonder em seu jeito de compor e cantar. A faixa toda é levada só no baixo e no teclado de Lord - uma obra-prima. Que abre espaço para outra, "Owed to 'G'", faixa instrumental usada por Bolin para mostrar que também tinha muita técnica.

"You Keep on Moving" fecha o disco mostrando que o som de negão não pegara só Hughes, mas toda a banda. É a melhor faixa do disco, e mostra tudo que a banda poderia ter virado se não tivesse acabado ali. Pois é, um ano depois o doido do Bollin, que já vivia chapado, resolveu passar dessa pr'outra. E a banda se desmanchou pela última vez nos anos 70. Voltaria só em 84, mas essa é outra história.

26 abril 2008

[1005] Lenine | O Dia em que Faremos Contato (1997)

Ok, talvez seja um padrão: 1 disco nacional, 2 gringos. Este é o quarto complemento ao livro "1001 discos para ouvir antes de morrer".

Lenine, assim como Chico, já gravou disco ao vivo (InCité (2004)) na França. Tem uma bela coleção de fãs fora de Pindorama. Mas, como tantos outros, passou bem longe do radar de "1001..." que, como já acusei aqui, achou espaço até para o Carlinhos Brown. O lado exótico de nosso país-continente sempre merecerá mais espaço, não tem jeito. Não importa: entortou ou ignorou, a gente acha prumo. Sem necessidade de ricursos que minguam toadas outras.

Lenine já foi precoce; em 83 lançou um tal "Baque Solto" que ninguém (ou)viu. Tinha 23, mas sei nada de sua história. Ele só voltou em 93, com "Olho de Peixe", em dupla com Marcos Suzano. Violão, voz (nordestina) e pandeiro. Incompleto mas promissor. Faltava alguma coisa. Faltava estrada. Faltava contato.

"O Dia em que Faremos Contato", de 1997, achou tudo o que faltava. 4 anos de contato foram suficientes para Lenine lançar um dos melhores discos brasileiros dos últimos 20 anos. Eclético, completo, faminto. Sei nada da história dele, mas tenho certeza que ele tinha material para um álbum triplo! Deveria ter lançado... não fosse amarrado numa gravadora do século passado. Aliás, ele ainda estava no século passado. Sua música não.

Trip hop, samba, rock, maracatu, pop, frevo... Lenine pisa em tudo, com passos leves e bem marcados, sem esconder uma personalidade única. Mix inteligente é assim, completo e original. "A Ponte" abre o disco com uma comovente narração d'um garotinho-músico. Tem guitarra distorcida e brincadeiras róseanas: "Nagô, Nagô, Na Golden Gate".

A segunda faixa, "Hoje eu Quero Sair Só", é um clássico de 11 anos. A guitarra decorativa apareceria em qualquer lugar, até num Pink Floyd ou Gil. Pintou aqui, brigando com (não contra) um pandeiro (de Suzano, claro). "Vem cá, me deixa fugir. Me beija a boca. Às vezes parece que a gente deu um nó. Hoje eu quero sair só..." A lua, que já apareceu em outros Lenines de forma igualmente poética, aqui o chama: "Eu tenho que ir pra rua" ("A Lua me Chama"). Quem não tem o disco perde o maravilhoso epílogo (só grafado no encarte):

"Homem solteiro é lobo solitário: a neve não cai no chão onde ele pisa. Ninguém pegue no meu pé, nem pise na minha pegada.
Homem sozinho à noite é caçador e caça, fica uma trilha de desejos e assombros por onde passamos, eu e minha sombra..."

Como escrito, no disco anterior são basicamente dois instrumentos. Agora Lenine tinha uma "orquestra" ao seu dispor. Seu violão corria o risco de virar rabisco. Não vira, graças ao baixo de Liminha (adorável antipático onipresente) e a produção de Chico Neves. Seguem-se "Candeeiro Encantado" (É Lamp!) e "Etnia Caduca", marcas fortes da origem nordestina, pernambucana e nada provinciana. Até que pinta "Distantes Demais", dueto com Dudu Falcão (na composição) e outro com Toninho Ferraguti (na execução, tocando acordeom). A voz de Lenine se transfigura, é quase feminina. Linda.

A faixa que dá nome ao disco é um achado. Os efeitos do Chico Neves desenham um disco voador perfeito (olha que sou de Varginha! Sei do que falo). Samba moderno, sem rock, com letra que todo samba deveria ter. Perdão: eu deveria transcrever um pedacinho. Impossível. A letra toda é fantástica.

Assim como é fantástica a 8ª faixa, "Aboio Avoado", que dura um minuto exato. Sem instrumentos, sem nada. Só a voz de Lenine. Já a mixei em vários momentos, mas Chico Neves tá certo: como abertura de "Dois Olhos Negros" ela é imbatível. Aliás, "Dois Olhos Negros" é imbatível. Quase... a versão no "Acústico MTV", com Igor "Sepultura" Cavalera na batera, consegue ser melhor. Duvida?

Se este disco tem um pecado é o fato de "Pernambuco Falando para o Mundo" não fechar o disco. Encerramento que seria perfeito. Pedir demais do Chico (Neves), né? A faixa é um mix-homenagem: Luis Bandeira ("Voltei Recife"), Capiba ("Frevo Ciranda"), Alceu Valença ("Sol e Chuva") e Chico Science ("Rios, Pontes e Overdrives") - 4 gerações e estilos de Pernambuco - maravilhosamente compilados num único som. Lenine é gênio (quando quer).

A capa, retrô, foi surrupiada do livro "O Homem Eterno" - da série Futurâmica da Ediouro. Belo achado - bela sacada. Tanto quanto o Zéfiro da capa de "Barulhinho Bom", de Marisa Monte (outra sentida omissão de "1001...". Ou seja, tenho muita matéria prima pra queimar!).

06 abril 2008

[1004] R.E.M. | Fables of the Reconstruction (1985)

O R.E.M. ganha a mídia de novo, com o lançamento de Accelerate. Há 4 anos eles não lançavam um disco de estúdio. Mas a agitação tem outro motivo: depois de Up (1998), Reveal (2001) e Around the Sun (2004), o REM resolveu pegar pesado de novo. Os tic-tacs eletrônicos cedem espaço para uma bateria de verdade; a guitarra ficou distorcida de novo, não como em Monster (1994), mas bem mais pesada do que aquela dos últimos discos. O REM sempre foi assim, uma banda em eterna metamorfose - com várias idas e vindas. Em seus quase 30 anos de carreira, algumas pérolas ficam perdidas. A maior delas é Fables of the Reconstruction, 3º disco da banda, lançado em 1985.

Claro, o REM não foi ignorado em "1001 discos..." Marcou presença com Murmur (1983), Document (1987), Green (1988) e Automatic for the People (1992). Quatro discos! Então, qual a razão para acrescentar o desconhecido "Fables.."? Simples: é o álbum mais injustiçado dos 14 lançados pelo REM.

Lá em 85 o REM ainda era rotulado como "college band", "guitar band" e outras bobeirinhas de críticos. Seus dois primeiros discos detonaram nas rádios universitárias. Eram muito parecidos. Mesma produção, mesmo ambiente, mesmo estilo de composição. Mesmo tipo de engano inocente cometido pelos contemporâneos do U2. Banda nova quer experimentar e aprender, esticar e empreender. A rotina mata. O REM trocou Athens (Georgia) por Londres. Trocaram também de produtores, escolhendo Joe Boyd, que nos 70's havia trabalhado com gente como Fairport Convention e Nick Drake. Era mudança pra valer.

Engana-se quem pensa que o som envelheceu. Claro, o efeito "modernizante" não foi tão chocante quanto aquele que Brian Eno conseguiu com o U2, mas o REM nunca mais seria o mesmo. Tudo que os transformou em superbanda conhecida mundialmente foi rabiscado e tentado em "Fables..."

"Feeling Gravitys Pull" abre o disco com a mesma força que "Drive" abre "Automatic..." "Maps and Legends", a 2ª faixa, é a cara de "Losing my Religion". "Driver 8" remonta o antigo REM, enquanto "Old Man Kensey" mostra aqueles backing-vocals que se tornariam uma das várias marcas registradas da banda. A sexta faixa, "Can't Get There from Here" é quase um funk, alegre e com muito swing. Estilo que se repetiria com mais sucesso em outros discos. A guitarra de Peter Buck nunca foi tão original. A voz de Michael Stipe nunca foi tão seca, o oposto de seu estilo tradicional.

Talvez para não assustar tanto, a música seguinte volta ao "velho" REM de "So. Central Rain" e afins. Trata-se de "Green Grow the Rushes", simples e eficiente.
E segue assim por três faixas, nítido porto seguro da banda e do produtor. Até que chega "Good Advices" que, ao lado de "Maps..", "Driver 8" e "Can't Get..." é um dos melhores momentos do álbum. Stipe lembra que "home is a long way away". Clara saudade. Se terminasse por aqui já estaria acima da média, mas eles trataram de fazer um dos melhores encerramentos de discos de todos os tempos. Colada em "Good Advices" começa "Wendell Gee", uma balada tão bonita que dói. Levada num mandolin que retornaria no disco "Green" de 88, em outra balada obrigatória do REM, "You are the Everything".

A capa do disco, como quase todas dessa fase da banda, é poluída e meio tosca. Vale mais a enigmática montagem que aparece na parte interna do encarte. Mas, imbatível mesmo é a brincadeira que o título do disco permite: "Fables of the Reconstruction" é grafado de tal forma que também permite outra leitura: "Reconstruction of the Fables".

O REM já estava pronto - reconstruído. O mundo ainda demoraria uns 3 discos pra saber; pra entender. "Fables..." é um disco perfeito demais para uma banda iniciante. Talvez seja por isso mesmo que fique jogado num canto toda vez que alguém tenta listar os melhores momentos do REM.

30 março 2008

[1003] Morphine | Cure for Pain (1993)

Outra inexplicável omissão de "1001 Discos para ouvir antes de morrer" é o Morphine. Banda estadunidense de Massachusetts, foi uma das mais originais do início dos anos 90. Pois é, do mesmo período "grunge". Críticos e mídia só tinham olhos e orelhas para o que saía de Seattle. Até surgir o Morphine, a mais independente das bandas independentes do final do século passado.

O Morphine é um power trio que guarda poucas semelhanças com os clássicos trios (Hendrix Experience, Cream, ...). Se aqueles giravam em torno do guitarrista, o Morphine simplesmente dispensou o mais básico dos instrumentos rock. Dana Colley (sax) e Jerome Deupree (bateria) amparam o trampo de Mark Sandman (baixo e voz, algumas guitarrinhas, violões e teclados), líder e principal compositor. Detalhe: na maioria dos sons e shows, Sandman toca um baixo que tem só duas cordas.

O primeiro disco dos caras, "Good" (92), já mostra a originalidade da banda. Um mix único de rock, blues e jazz, sem nenhum tipo de sofisticação. Soa cru, direto, áspero. Mas tem momentos muito sutis, como "You Look Like Rain", que poderia pintar em qualquer disco do início de carreira do Tom Waits. Aliás, como este, Sandman é um beatnik tardio.

Mas é "Cure For Pain" (93) que consolida a proposta da banda. Mais rico que o anterior, flerta também com o folk na belíssima "In Spite of Me". O mandolin (contribuição de Jimmy Ryan) lembra um pouquinho "Going to California", do LedZep. A voz sussurrada de Sandman nesta música prova sua versatilidade.

"Dawna", um triste solo de sax, abre o disco. Prólogo contra-mão para o swing de "Buena", que é construído com um impressionante riff de baixo. Dana só aparece no refrão, solando em cima (ou atrás) da voz seca de Sandman. "All Wrong" mostra o trio curtindo o mesmo riff. Nela percebemos claramente a riqueza da bateria de Deupree, nada convencional. Ao contrário do que diz a Wikipedia (destino de todos os links deste post), Deupree só é substituído por Bill Conway em 3 faixas deste disco.

Sandman é cheio de músicas-dedicatórias. No disco anterior já tinham pintado "Claire" e "Lisa". Agora ele fala para "Sheila", "Mary (won't you call my name?)" e "Candy". Suas letras são bêbadas...

Candy said she's made arrangements for me in the sand
And Candy said she wants me with her down in Candyland
... e viajandonas ("A Head with Wings"):
Now I'm floating around up here way above the clouds
So high about the ground
And the only thing that holds my head to the ground
Is this one little skinny string
I got a head with wings
A head with wings
E em "Cure for Pain", nona música do disco, ele vai direto ao ponto:
Someday there'll be a cure for pain
That's the day I throw my drugs away
When they find a cure for pain
A última música é instrumental, um sincero "Miles Davis' Funeral".

Seis anos e 3 discos depois, em julho de 99, Sandman passaria desta para uma melhor. Se foi sem experimentar ou testemunhar a cura. Teve um ataque cardíaco fulminante no palco, logo no início de um show. Deixou uma obra que mostra a falta de regras e fronteiras do mundo do rock. "Cure for Pain" é um bom ponto de partida para conhecer um pouco dessa cabeça com asas.

20 março 2008

[1002] Paralamas do Sucesso | Severino (1994)

Pois é, o Paralamas é uma das ausências mais sentidas em "1001 Discos...". Se acharam espaço até para Carlinhos Brown, claro que cabia pelo menos 1 disco do trio fundado em Brasília no início dos anos 80. De todas as bandas do ápice do rock tupiniquim, o Paralamas foi a única a romper fronteiras de uma maneira mais notável. Tocou em Montreaux em 1987, faz sucesso na Argentina e angariou fãs na Europa. Nada parecido com os feitos do Sepultura, mas o Sepultura não é daquela turma (Legião, Titãs, Barão...)

Mas, qual disco do Paralamas deveria aparecer na seleção de discos que deveríamos ouvir antes de morrer? "Bora Bora" (1988) é divertido e tem "Quase Um Segundo". "Selvagem" (1986) marcou o início do fim da fase 'chicletinho-pop'. "Big Bang" (89) é pesado e com um instrumental riquíssimo. Bom, optei por "Severino", o maior fracasso de vendas da história da banda. Vendeu mais na Argentina do que por aqui.

Lançado depois do adocicado "Os Grãos" (91), "Severino" propõe um caminho totalmente diferente na carreira de Herbert (gtr e voz), Bi (baixo) e Barone (batera). Mais experimental, mais pesado (no som e nas letras), o disco causou estranheza em todos os fãs tradicionais. Só com o tempo e o lançamento do disco ao vivo "Vamo Batê Lata" (95) é que o pessoal começou a se acostumar com algumas músicas, principalmente "Rio Severino", "Vamo Batê Lata" e "Dos Margaritas". Não imaginam o que perdem por não ouvir as versões originais.

O disco abre com "Não me Estrague o Dia", poema curto mais falado do que cantado. O diálogo do milionário com o proletário. Apela, mas funciona. "Navegar Impreciso", que conta com participações de Tom Zé e Linton Kwesi Johnson, é uma pérola declamada. Anti-homenagem aos portugueses que na época, como os espanhóis agora, expulsavam brasileiros de suas terras. "Varal" segue na linha experimental, disfarçando a porrada que vem na seqüência: "Réquiem do Pequeno":

te falta o gesto largo, a ébria poesia
TE SOBRA A PEQUENEZA, AS PEQUENAS CERTEZAS
"El Vampiro Bajo del Sol" é puro Queen. Não por acaso, conta com a guitarra solo do próprio Brian May. Cortesia de Phil Manzanera, ex-guitarrista do Roxy Music, que produziu o disco. Sim, o disco foi produzido na Inglaterra.

Jogando vacas do décimo andar, Herbert se embriaga com "Dos Margaritas", para depois se afogar no melhor (único?) épico que já compôs: "Rio Severino". Esta música já havia aparecido em seu primeiro disco solo, "Ê Batumaré" (92), mas é a versão de "Severino" a definitiva. Seca como o chão do sertão:
és tu brasil, ó pátria amada, idolatrada por quem tem
ACESSO FÁCIL A TODOS OS TEUS BENS
A versão original do disco se encerra com uma das mais bonitas baladas já compostas por Herbert, "O Amor Dorme", um som-homenagem ao filme "The Hunger" (Fome de Viver), de Tony Scott. A versão em CD tem duas faixas bônus, "Go Back" (dos Titãs) e "Casi un Segundo", versão em espanhol sobre um teclado de Egberto Gismonti. A capa e todo o trabalho gráfico do disco, espantoso-bonito-e triste, é de Gringo Cardia, usando como matéria-prima o trabalho de Arthur Bispo do Rosário.

"Severino" não é nada menos que obrigatório.

.:.

Pra quem pegou o bonde andando, entenda esta série.

19 março 2008

Antes de Morrer

Tem uns 40 dias que ameaço iniciar esta série. Desde quando terminei a louca tarefa de ler as 950 páginas de "1001 Discos para Ouvir antes de Morrer". Minha motivação? Claro, reparar terríveis omissões daquela obra. Chato que se preza lê cada uma das 1001 críticas e prepara seu próprio conjunto de críticas, hehe...

Primeira crítica: capa bem nada a ver, né? Tudo bem, a obra trata, principalmente, do universo "rock (pop)". Mas precisava ter um punk na capa? Garanto que espantou muita gente. Repare abaixo que a edição original (em inglês) mereceu uma capa bem mais agradável. Mas, vamos lá...

A compilação é ambiciosa. E envolveu 90 críticos. Com tantas cabeças envolvidas, era de se esperar uma obra meio desigual. Não é o caso. Primeiro porque o trabalho do editor, Robert Dimery, foi muito bem feito. Só em um caso ou outro você repara a persona de determinado crítico - quando ele se exalta. O problema maior é uma certa "uniformidade" de gostos. Queria muito entender porque todo crítico musical dos últimos 30 anos parece saído da mesma chocadeira. TODOS têm uma visão muito parcial do mundo pós 1977 - ou seja, adoram punks, new-waves, papo-cabeça-weirdo, ondas passageiras (que eles desejavam eternas, mas não bancam a longevidade porque se apaixonam por outras modas)... Sim, é exatamente o mesmo perfil de quem escreve sobre música para as revistas da Abril, por exemplo.

São irritantemente freqüentes aquelas críticas que dizem que tal disco é "incômodo", "barulhento", "incompreensível", "desconfortável"... Entendeu o "weirdo" acima? Então... hehe

Mas neste "prólogo" eu só quero apresentar o livro. Nos capítulos seguintes apresentarei os nobres ausentes, não na ordem cronológica do livro, mas tentando respeitar o mesmo padrão utilizado: breve crítica, ficha técnica, informações sobre vendagem etc.

Dos 1001 discos, eu não conhecia uns 30%. De artistas que eu nunca tinha ouvido falar, só uns 15% - boa parte de gente da Ásia ou África. Ou seja, bem distante do meu mundo musical mesmo.

Devo ao livro duas descobertas que, inexplicavelmente, ficaram totalmente fora do meu radar quando mergulhei na Junkyage* (pesquisa que fiz sobre os sons dos anos 30-70). Estou falando de John Martyn e Nick Drake. Dois ingleses que desenvolveram um trabalho muito, muito original, no início dos anos 70. Ambos misturam rock, folk, blues e jazz numa salada muito agradável. Compositores de mão (cabeça) cheia e cantores com uma peculiar voz grave. Nada de Joe Cocker ou Rod Stewart - um grave não agressivo, nada arranhado, se é que me entendem. Para compreender melhor, tentem "Pink Moon" (álbum homônimo, de 1972) de Drake e "Don't Want to Know" ("Solid Air", 1973) de Martyn. Esta última caberia fácil num disco do... Jack Johnson!?! Pois é... escrevi isso. Perdão John.

O livro é separado por décadas, começando nos anos 50. O primeiro disco é "In The Wee Small Hours", de Frank Sinatra. Atual, termina com "The Good, The Bad & the Queen", lançado em 2007 pela banda de Damon Albarn (o cara do Blur e Gorillaz) que tem o mesmo nome. Do jazz ao blacktrashmetal, passando por samba, rumba, tango, jazz africano e pop francês, o livro é bem eclético. Mas algumas inserções parecem mais uma forçada de barra, a necessidade de mostrar que o mundo da música não está restrito ao hemisfério norte, no espaço entre Londres e Los Angeles.

O que desvaloriza um pouco o livro (que é barato, cerca de R$ 60 por quase mil páginas impressas em papel de excelente qualidade), como eu disse lá em cima, é a quedinha dos críticos por modinhas (que não são de viola). Nada, nada justifica que David Bowie e Elvis Costello tenham, cada um, mais de 5 discos listados. Um absurdo. Daí, claro, parte a inevitável queda por tudo que tenha saído da NY pós-Velvet e da Londres pós-Bollocks. Seguindo no ritmo moda-modinha, a partir da metade dos anos 80 aparece um número imenso de discos de rap, hip-hop e afins. Não que alguns destes trabalhos não mereçam destaque. Um livro com essa proposta deve ser democrático. Mas o espaço ocupado por algumas tendências é desproporcional.

Só conseguirei provar minha impressão mostrando tudo o que ficou de fora. Começo o trampo no próximo capítulo. Inté!

Sir Arthur C. Clarke [1917-2008]



Em "A Sentinela" (The Sentinel), um conto, ele "inventou" os satélites. Em "2001: Uma Odisséia no Espaço", o livro que foi criado em paralelo com o grande filme de Kubrick, ele inventou HAL - o computador que ainda não conseguimos criar. Destaques de uma obra que tem mais de 70 livros, entre ficção e não ficção. Sir Arthur nos deixou hoje, aos 90 anos.

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Veremos em tudo quanto é canto: "o maior/melhor escritor de ficção-científica". Rótulo fácil e enganador. Esse negócio de "o maior", "o melhor" é coisa de simplificadores. Sir Arthur foi um dos grandes. Meu favorito continua sendo Philip K. Dick. O que não significa que era "o maior".
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Mas é impossível ignorar a obra de Sir Arthur. Para minha despedida, vou destacar só um pequeno detalhe.

Stanley Kubrick, que é para o cinema o que Beethoven é para a música, queria criar um divisor de águas quando resolveu fazer "2001". Até então, filmes de ficção-científica eram todos "B" (ou "C"..."Z"). Discos voadores e monstros intergaláticos eram a matéria prima de simpáticos engraçadinhos, como Ed Wood. Kubrick queria o conhecimento e a imaginação de Sir Arthur.

Sir Arthur sabia que "2001" poderia ser sua obra-prima. Não sei dizer - ninguém saberia - qual foi seu sentimento-motivação quando resolveu revisar e reescrever seu texto no set de filmagens. Gosto de pensar que foi a simples necessidade de ver (e tocar) tudo aquilo que, até então, estava só em sua imaginação.

Dois gênios, trabalhando em conjunto, criando o mesmo mundo e demonstrando-o em diferentes mídias. Torço para que, no mínimo, uma parte desta experiência esteja documentada no recém-lançado DVD especial de "2001". Para quem gosta de estudar *criatividade*, este evento é quase único em nossa história.

HAL, que ainda não nasceu, acaba de perder seu segundo pai. Em março de 2108 (ou 2099), quem sabe, ele estará organizando uma bela festa para Clarke e Kubrick. Não será só pós-IBM (como provoca seu nome), mas também pós-MS, pós-Apple... pós-todos que perderam a oportunidade de criar um computador mais humano. O computador que Sir Arthur imaginou.

Tibet - Support the Dalai Lama

Dear friends,

Tibetans have exploded onto the streets in frustration--call on China to respect human rights and enter dialogue with the Dalai Lama now:
After decades of repression under Chinese rule, the Tibetan people's frustrations have burst onto the streets in protests and riots. With the spotlight of the upcoming Olympic Games now on China, Tibetans are crying out to the world for change.

The Chinese government has said that the protesters who have not yet surrendered "will be punished". Its leaders are right now considering a crucial choice between escalating brutality or dialogue that could determine the future of Tibet, and China.

We can affect this historic choice--China does care about its international reputation. China's President Hu Jintao needs to hear that the 'Made in China' brand and the upcoming Olympics in Beijing can succeed only if he makes the right choice. But it will take an avalanche of global people power to get his attention--and we need it in the next 48 hours.

The Tibetan Nobel peace prize winner and spiritual leader, the Dalai Lama has called for restraint and dialogue: he needs the world's people to support him. Click below now to sign the petition--and tell absolutely everyone you can right away--our goal is 1 million voices united for Tibet:

http://www.avaaz.org/en/tibet_end_the_violence/9.php

China's economy is totally dependent on "Made in China" exports that we all buy, and the government is keen to make the Olympics in Beijing this summer a celebration of a new China, respected as a leading world power. China is also a very diverse country with a brutal past and has reason to be concerned about its stability -- some of Tibet's rioters killed innocent people. But President Hu must recognize that the greatest danger to Chinese stability and development comes from hardliners who advocate escalating repression, not from Tibetans who seek dialogue and reform.

We will deliver our petition directly to Chinese officials in London, New York, and Beijing, but it must be a massive number before we deliver the petition. Please forward this email to your address book with a note explaining to your friends why this is important, or use our tell-a-friend tool to email your address book--it will come up after you sign the petition.

The Tibetan people have suffered quietly for decades. It is finally their moment to speak--we must help them be heard.

With hope and respect,

Ricken, Iain, Graziela, Paul, Galit, Pascal, Milena, Ben and the whole Avaaz team

PS - It has been suggested that the Chinese government may block the Avaaz website as a result of this email, and thousands of Avaaz members in China will no longer be able to participate in our community. A poll of Avaaz members over the weekend showed that over 80% of us believed it was still important to act on Tibet despite this terrible potential loss to our community, if we thought we could make a difference. If we are blocked, Avaaz will help maintain the campaign for internet freedom for all Chinese people, so that our members in China can one day rejoin our community.

Here are some links with more information on the Tibetan protests and the Chinese response:

BBC News: UN Calls for Restraint in Tibet

Human Rights Watch: China Restrain from Violently Attacking Protesters

Associated Press: Tibet Unrest Sparks Global Reaction

New York Times: China Takes Steps to Thwart Reporting on Tibet Protests

03 janeiro 2008

Receita de Ano Novo

de Carlos Drummond de Andrade



Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)



Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.



Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


.:.

A EPTV surrupiou o poema acima para usar como sua mensagem de final de ano. A narração é do Lima Duarte. Ficou bonito. Mas tenho quase certeza de que eles não respeitaram a versão integral... pecado.