28 julho 2005

Um Pretérito mais que Perfeito...

Se você lê - jornal, livro, bula de remédio, este blog - é sinal que um mínimo de intimidade com a língua portuguesa você tem. Eu, particularmente, embora dê os meus escorregões, tenho uma grande simpatia por ela, numa relação que mantemos já há uns dez anos. Digo uma relação mais significante do que simplesmente tê-la como instrumento de comunicação. E a cada dia que eu conheço e entendo um detalhe seu dá uma vontade danada de contar pra alguém. Como não são muitos os simpatizantes dessa ‘causa’, escolhi você, leitor, pra me escutar. Já está aí mesmo, com o BlueNoir na sua frente. Não custa nada, né?

Então, o que me deixou inquieto desta vez foi o tal do ‘pretérito mais-que-perfeito’. Quem deu esse nome para o tempo verbal devia ser cronista. No mínimo, uma ironia fina ele tinha. Já reparou que de ‘perfeito’ mesmo o tal não tem nada. Pensa bem. Usado nas lamentações, arrependimentos e saudades, o pretérito mais-que-perfeito, embora bonito, gosta sempre de nos lembrar que o tempo não volta e ai de quem deixou a vida pra depois.

Claro que nas conversas por aí ninguém diz ‘quisera eu’ ou ‘pudéramos’. Além de dar a idéia de um passado lá longe, esse tempo verbal parece ser algo que só era usado num antigamente lá longe também. O mais perto que chegamos dele hoje é nos ‘quem me dera’ dos sonhadores ou pessimistas. De qualquer forma, não é pelo fato de não ser perfeito e estar em desuso que o ‘pretérito mais-que-perfeito’ deixa de ser interessante. Ele lembra poesia.

A gente já ouviu uma porção de vezes que a palavra saudade só existe na língua portuguesa. Como é a única língua que eu conheço, não sei se isso é verdade. Mas um detalhe curioso é que o ‘mais-que-perfeito’ – o tempo verbal da saudade – parece ser algo só da nossa língua também.

Enfim, a verdade é que esse arzinho de chuva dessa semana trouxe um bocado de outroras. Quisera eu poder voltar no tempo...



por Luiz Gustavo, que deixa sempre pra amanhã o que podia ter feito ontem.

27 julho 2005

Great Expectations

Com certeza já assisti Great Expectations (Grandes Esperanças) mais de 10 vezes. É um daqueles raros títulos que me pegam sem uma razão aparente: são centenas de razões - pouco aparentes. Ou melhor, descobertas ou redescobertas toda vez que vejo o filme.



O roteiro é baseado no clássico homômino de Charles Dickens. A direção é do mexicano Alfonso Cuarón. Acho que é o único filme do cara que merece destaque. Mas é um DESTAQUE! Nunca tinha visto alguém colocar a câmara na diagonal ou na horizontal e a coisa fazer sentido - não ser só um 'maneirismo'. Os personagens principais, Finn e Estela, são interpretados por Ethan Hawke e Gwyneth Paltrow. Tem ainda Robert de Niro e Anne Bancroft. Trata-se de uma história de amor. Que passa bem longe do 'romantismo' de padaria. É cínico, violento e, em vários momentos, constrangedor. Mas é acima de tudo um filme inteligente e, principalmente, belo! Bonito mesmo.

Foi filmado em 97. Mas, se por algum motivo inexplicável (e imperdoável) vc ainda não viu, pare de ler agora... posso estragar algumas agradáveis descobertas.

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As poucas pessoas que me falaram que já assistiram só o fizeram uma vez*. Nenhuma reparou numa coisa gritante: o Verde! (Shhh... lembra aquele papo de 'pardal' da semana passada? Pois é...)

Tudo no filme é verde! Ou melhor, quase tudo... roupas, móveis, janelas, portas, luzes... Mas parece ter um significado bem simples nisso. Quando Finn tá puto, é pura raiva, ele não usa verde. Usa preto. Aí, na festa do Finn dá pra distinguir as pessoas de 'bom coração' daquelas invejosas... sério! Parece festa do Ameriquinha mineiro (preto e verde)... Até tentei achar algo na internet explicando. Nada. Bom, o verde é a cor da esperança, certo? E o filme é sobre Esperança... O que me incuca é vc passar pelo filme todo e não notar o verde!! Aconteceu comigo na 1a assistência. E, pelo jeito, com todo mundo que só viu 1 vez.

E daí? Nada.. não altera a percepção e o fato de gostar ou não dele. Mas tinha que ser verde??? (verde-musgo-levanta-pardal???)

Tinha que ser esperançoso e incrivelmente amargo? Tinha que ter final feliz? Tinha que ter Tori Amos ("Siren", assustadora) e Chris Cornell (do Audioslave, com "Sunflower", linda num dos momentos mais quentes do filme)?? Tinha que ter aquelas pinturas do Francesco Clemente? Tinha que ter a Gwyneth tão bonita??.. Ehiahiah 3x...



Duas das sequências mais bonitas da história do cinema estão aqui. Ambas acontecem num bebedouro.

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Da penúltima geração de 'galãs' de Hollywood, Ethan Hawke é o mais eclético. Só detestei um de seus últimos filmes, "Roubando Vidas". Mas, além de um excelente ator, o cara é escritor ("Quarta-feira de Cinzas" é um bom livro) e agora também roteirista. Escreveu com Julie Delpy e Richard Linklater o excepcional Before Sunset ("Antes do Pôr-do-Sol")... que o maluco aqui viu logo depois de "Grandes Esperanças".

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* Mas sei q não sou o único maluco (que viu "Grandes Esperanças" mais de 3x) pq tem 218 outros doidos numa comunidade sobre o filme no Orkut.

Scratch #041



"Kite"
[U2, Bono]

Something
Is about to give
I can feel it coming
I think I know what it is

I'm not afraid to die
I'm not afraid to live
And when I'm flat on my back
I hope to feel like I did

And hardness
It sets in
You need some protection
The thinner the skin

I want you to know
That you don't need me anymore
I want you to know
You don't need anyone
Or anything at all

Who's to say where the wind will take you
Who's to say what it is will break you
I don't know
Which way the wind will blow

Who's to know when the time has come around
Don't want to see you cry
I know that this is not goodbye

It's somewhere I can taste the salty sea
There's a kite blowing out of control on the breeze
I wonder what's gonna happen to you
You wonder what has happened to me

I'm a man
I'm not a child
A man who sees
The shadow behind your eyes

Who's to say where the wind will take you
Who's to say what it is will break you
I don't know
Where the wind will blow

Who's to know when the time has come around
I don't want to see you cry
I know that this is not goodbye

Did I waste it
Not so much I couldn't taste it
Life should be fragrant
Rooftop to the basement

The last of the rocks stars
When hip-hop drove the big cars
In the time when new media
Was the big idea
What was the big idea

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Pode até ser que o Bono não conheça o filme. Mas que 'Kite' parece uma fala ou pensamento do Finn, isso parece. E tenho certeza que ela entraria na trilha sonora se tivesse sido lançada em 97.

A pintura é de Francesco Clemente, pintor italiano que fez todos os desenhos de "Grandes Esperanças" (Great Expectations), tema do meu próximo post.

26 julho 2005

Early 21st Century Blues

Êh..iahiah...

O que dizer quando 2 das bandas que vc mais idolatra passam na mesmíssima encruzilhada? O Cowboy Junkies já tinha feito cover de quase todo mundo, de Stones a Cure passando por Lou Reed (VU), Springsteen e Robert Johnson. Faltava um som do U2 na voz da Margo. Eu disse: Faltava!!



Eles acabaram de lançar "Early 21st Century Blues". O disco fecha simplesmente com "One"... Não sei mais o que dizer. Tb acho q nada mais precisa ser dito. Dá pra curti-la aqui, enquanto o disco não chega.

Cliente Morto não Paga

A onda já dura mais de ano mas segue firme. Tô falando da tal "Remix Culture". Na edição de julho da Wired é matéria de capa e tem artigos interessantes do grande Neil Gaiman entrevistando os Gorillaz, do William Gibson e um sobre o Tarantino (que seria o "Rei dos Ladrões"). Todos tratando do mesmo tema: somos, mais que nunca, uma geração "cut&paste".

A força do movimento está em braços despidos de qq modismo: as licenças Creative Commons e organizações como a Free Culture. Serve de 'vacina' caso a Wired troque de onda. Mas por enquanto a revista vem forte, apoiando os movimentos e incentivando a "pirataria do século XXI". Tanto que em novembro do ano passado lançou um CD só de músicas "pirateáveis". Bem legal.

Mas é sempre bom lembrar que não estamos falando de nada novo. Como Lawrence "CercaLorenço" Lessig gosta de lembrar, SEMPRE fizemos uso de outras criações como matéria prima para nossas próprias criações. O Mickey Mouse deu as caras pela primeira vez em 18/nov de 1928, numa animação chamada "Steamboat Willie". Walt Disney fez uma paródia de um grande sucesso da época, "Steamboat Bill Jr.", de Buster Keaton. O mundo da música pop então, é um universo de referências circulares, hehe...

E não há nada de errado nisso! "Plágio" e "desrespeito a direitos autorais" só viraram a loucura que são hoje pq tem muita faculdade de direito nos Estados Unidos... eles precisavam arrumar serviço pra tanto advogado... hehe. Vc sabia, por exemplo, que "Os 12 Macacos" foi retirado do circuito pq um maluco alegou que um móvel que aparecia no filme fora baseado em um rascunho seu? Ele tava pedindo centenas de milhares de doletas de indenização... ridículo assim. Na maioria das vezes. Daí que samplers, máquinas fotográficas digitais, iPods e micros viraram um pesadelo para grandes corporações que vivem de 'distribuir' criações. Elas criaram o pesadelo, diga-se de passagem.

Mas nem sempre foi assim. Em 1982 Carl Reiner conseguiu gerar uma obra prima bastante singular na história do cinema: "Cliente Morto não Paga". O protagonista, Steve Martin, simplesmente contracena com Humphrey Bogart, Burt Lancaster, Kirk Douglas, Ingrid Bergman, Lana Turner, Ava Gardner, Veronica Lake e vários outros. Reiner montou o filme utilizando cenas de várias outras produções, criando diálogos impagáveis. Bogart (Marlowe), por exemplo, é auxiliar do detetive interpretado por Martin.


Pena que o DVD não traga um mísero 'making-of' sequer...
Mas é item obrigatório na formação básica de cinéfilos...


Voltando: hoje, para viabilizar algo do tipo, um estúdio teria que lançar mão de centenas de advogados, negociando 'direitos autorais', 'direitos de imagem', e uma série de outros 'direitos' que andam matando nosso 'direito' de ter acesso a criações realmente inteligentes.

Que a 'moda Remix' deixe, no mínimo, um pouco de bom senso.

20 julho 2005

CinemaBrasileiro.net

Tá na rede mais um site de referências e homenagens ao cinema tupiniquim, o CinemaBrasileiro.net. Tropecei de passagem, tempo suficiente pra achar coisas maravilhosas como:



Caceta! Não sabia que existia... Fantástico!
Só a coleção de cartazes de filmes já vale a pena.

19 julho 2005

Tenho um Pardal

Misturei tantas referências, vi tanto filme nas madrugadas destas férias mentirosas que nem me lembro onde vi que em Cuba, quando alguém quer dizer que está com saudades, fala que "tem um pardal". Sentimentos estranhos merecem denominações meio ecléticas, né? Quando o Sting se encontrou com algumas modelos brasileiras num evento lá fora a primeira coisa que disse foi "saudades" - num português mascado pelo sotaque inglês. Mas pareceu tão sincero que soou triste. Ou pareceu triste pq soou sincero?

Mas toda saudade é triste? Quando o Renato Russo canta que tem "saudades de tudo que ainda não vi" parece ser. Quando Chico escreveu que "saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu" é tristeza em seu grau máximo. Mas será que toda saudade é triste? Tem que ser triste?

Quero crer que não. E elaborar algumas lembranças que resultem num sorriso espontâneo. São saudades também, mas preferimos chamá-las de "boas lembranças". Quanto tempo reservamos para elas? E quantas vezes as poluímos com lembranças que não são tão boas assim? Levando pra Cuba, parece que gostamos de "jogar pedras em nossos próprios pardais". Covardia...

E, só pra variar, uma puta vertigem... hehe

Quando cliquei em [create a new post] minha idéia era falar de uma saudade totalmente diferente. Por exemplo, tenho um pardal recorrente que sempre aparece num fim de tarde chuvoso e todo o ambiente parece estar esverdeado. É um verde forte, escuro. Acho que o chamam de "verde-musgo". Quando vejo paisagens como da foto (de Kenneth Parker) aí embaixo, o pardal aparece.



Não sei pq. Não é uma "saudade triste". Mas é uma saudade.

Tão estranha quanto a saudade que tenho da 2a metade dos anos 60... Pois é, minha certidão de nascimento indica que nasci no finalzinho de 69 mas, sabe-se lá pq, tenho um pardalzão que insiste em voar entre 66 e 68. Meu pai tinha 19 em 66. Morria de inveja disso. Mas nunca soube exatamente pq. Meus detratores vão falar que era pra ter presenciado - ao vivo e em cores psicodélicas - o nascimento de Led, Jimi, Sgt Peppers & Cia Ilimitada. Mas não é (só) tudo isso.

Comecei há pouco minha coleção de filmes em DVD. É pititinha. Tem uns 8 Hitch, obviamente. Mas tem 3 que fazem aquele pardal estranho alçar vôo: "Blow Up", "A Insustentável Leveza do Ser" e "Os Sonhadores". De 66, 88 e 2003, respectivamente. Mas retratam Londres'66, Praga'68 e Paris'68. Acho que é a única coisa que os liga, o período retratado.


"Blow Up" é uma das várias obras-primas (sic) do Michelangelo Antonioni. Retrata com maestria o ápice da Swinging London. É particularmente estranha a busca do protagonista fotógrafo por 'substância' numa sociedade que parecia idolatrar o escapismo, a alienação. O próprio fotógrafo vive disso. Mas a pseudo-leveza daqueles seres londrinos cai por terra aos pés do filme de Antonioni. Pesando toneladas...


Mas nessa louca "trilogia do pardal velho", o mais terrível embate entre 'sustância' e 'vou deixar a vida me levar' se dá em "A Insustentável Leveza do Ser". Traduzido num triângulo amoroso, primeiro por Kundera e depois por Kaufman. Ao contrário da Londres'66, Praga'68 pega fogo. É a tal primavera, onde flores são substituídas por tanques soviéticos. Kaufman chega a usar imagens reais, em preto e branco. É lindíssimo, pra dizer o mínimo. Apesar das toneladas que pesa...


De "Os Sonhadores" eu já falei bastante. Bertolucci justificou o filme dizendo se tratar de um rendiconti (prestação de contas) com aquele período. E para não nos deixar esquecer de como ele foi especial. Paris'68 não corria o risco d'uma invasão vermelha. Mas era lotada de commies, cinéfilos antenados e estudantes revoltados. Novamente um triângulo amoroso (bizarro p/ os moralistas) encarna o duelo que não tem vencedores. Mas é pesado para os perdedores...

Êta pardal gordo...

Mas aí vão aparecer alguns sugerindo aquele tipo de terapia que investiga "vidas passadas"... Respeito, mas acho que não é meu caso.

Até pq vão aparecer algumas, sugerindo que meu blá-blá-blá é só desculpa esfarrapada para rever e rever Vanessa Redgrave, Juliette Binoche e Eva Green... hehe. Todo peso tem sua compensação nessa balança de sentimentos, não?

Scratch #041



Foto de Kenneth Parker.
É um dos mais belos portfólios de fotos de paisagens que já vi na web.
Merece uma visita.

13 julho 2005

Velhinho é a Mãe!

13 de julho: Dia Mundial do Rock. É um tipo de aniversário, né?
Aí a gente conta, lembra do Elvis, Chuck, Beatles, Stones, Who, Hendrix, Led, Purple... pôxa: 3a idade?

Desde a 2a metade dos anos 70 vivem "matando" o Rock. Em ações (boutique-punk e derivados) e palavras. Se vc parar pra ouvir boa parte do que fizeram no início dos anos 80 vai reparar que quase conseguiram. Quase!

O Rock se reinventa o tempo todo. Pode passar por fases terríveis mas, quando os apressadinhos começam a preparar a pá de cal, eis que ele ressurge, mais forte e com novos adeptos (viciados?). Os "renascimentos" que realmente pegam normalmente apresentam duas características básicas: são Simples e Diretos.

Tem muito Rock rebuscado por aí. Eles sempre existiram desde o "Sgt Peppers". Quando sinceros eles não jogam contra. Mas tem muita "barra forçada" tb. Estes só incomodam enquanto duram seus 15min... Sorte que são breves. As modas e as bandas que as representam.

Mas a prova definitiva de que o Rock é eternamente jovem é a cara dos seus curtidores. Neste final de semana aluguei "Escola do Rock". Tinha visto um trechinho e deixei pra vê-lo na íntegra com meus sobrinhos Mateus e Brunão. O 1o não liga muito não, mas o Bruno canta "Vertigo" (U2) desde o lançamento do disco. Gosta d'umas coisinhas esquisitas (Scorpions, Bon Jovi - influência do (mal) gosto do pai e da mãe) mas, no geral, curte um bom rock - de preferência com um refrão (ou riff) marcante.



Resultado: em 2 dias o moleque (6 anos) assistiu 4 vezes o filme!! Decorou o nome dos personagens e canta as principais músicas. A que ele mais gostou, pasmem, foi "Immigrant Song" do Led!!!

É... o Rock só é velho pra quem ficou velho...