19 julho 2005

Tenho um Pardal

Misturei tantas referências, vi tanto filme nas madrugadas destas férias mentirosas que nem me lembro onde vi que em Cuba, quando alguém quer dizer que está com saudades, fala que "tem um pardal". Sentimentos estranhos merecem denominações meio ecléticas, né? Quando o Sting se encontrou com algumas modelos brasileiras num evento lá fora a primeira coisa que disse foi "saudades" - num português mascado pelo sotaque inglês. Mas pareceu tão sincero que soou triste. Ou pareceu triste pq soou sincero?

Mas toda saudade é triste? Quando o Renato Russo canta que tem "saudades de tudo que ainda não vi" parece ser. Quando Chico escreveu que "saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu" é tristeza em seu grau máximo. Mas será que toda saudade é triste? Tem que ser triste?

Quero crer que não. E elaborar algumas lembranças que resultem num sorriso espontâneo. São saudades também, mas preferimos chamá-las de "boas lembranças". Quanto tempo reservamos para elas? E quantas vezes as poluímos com lembranças que não são tão boas assim? Levando pra Cuba, parece que gostamos de "jogar pedras em nossos próprios pardais". Covardia...

E, só pra variar, uma puta vertigem... hehe

Quando cliquei em [create a new post] minha idéia era falar de uma saudade totalmente diferente. Por exemplo, tenho um pardal recorrente que sempre aparece num fim de tarde chuvoso e todo o ambiente parece estar esverdeado. É um verde forte, escuro. Acho que o chamam de "verde-musgo". Quando vejo paisagens como da foto (de Kenneth Parker) aí embaixo, o pardal aparece.



Não sei pq. Não é uma "saudade triste". Mas é uma saudade.

Tão estranha quanto a saudade que tenho da 2a metade dos anos 60... Pois é, minha certidão de nascimento indica que nasci no finalzinho de 69 mas, sabe-se lá pq, tenho um pardalzão que insiste em voar entre 66 e 68. Meu pai tinha 19 em 66. Morria de inveja disso. Mas nunca soube exatamente pq. Meus detratores vão falar que era pra ter presenciado - ao vivo e em cores psicodélicas - o nascimento de Led, Jimi, Sgt Peppers & Cia Ilimitada. Mas não é (só) tudo isso.

Comecei há pouco minha coleção de filmes em DVD. É pititinha. Tem uns 8 Hitch, obviamente. Mas tem 3 que fazem aquele pardal estranho alçar vôo: "Blow Up", "A Insustentável Leveza do Ser" e "Os Sonhadores". De 66, 88 e 2003, respectivamente. Mas retratam Londres'66, Praga'68 e Paris'68. Acho que é a única coisa que os liga, o período retratado.


"Blow Up" é uma das várias obras-primas (sic) do Michelangelo Antonioni. Retrata com maestria o ápice da Swinging London. É particularmente estranha a busca do protagonista fotógrafo por 'substância' numa sociedade que parecia idolatrar o escapismo, a alienação. O próprio fotógrafo vive disso. Mas a pseudo-leveza daqueles seres londrinos cai por terra aos pés do filme de Antonioni. Pesando toneladas...


Mas nessa louca "trilogia do pardal velho", o mais terrível embate entre 'sustância' e 'vou deixar a vida me levar' se dá em "A Insustentável Leveza do Ser". Traduzido num triângulo amoroso, primeiro por Kundera e depois por Kaufman. Ao contrário da Londres'66, Praga'68 pega fogo. É a tal primavera, onde flores são substituídas por tanques soviéticos. Kaufman chega a usar imagens reais, em preto e branco. É lindíssimo, pra dizer o mínimo. Apesar das toneladas que pesa...


De "Os Sonhadores" eu já falei bastante. Bertolucci justificou o filme dizendo se tratar de um rendiconti (prestação de contas) com aquele período. E para não nos deixar esquecer de como ele foi especial. Paris'68 não corria o risco d'uma invasão vermelha. Mas era lotada de commies, cinéfilos antenados e estudantes revoltados. Novamente um triângulo amoroso (bizarro p/ os moralistas) encarna o duelo que não tem vencedores. Mas é pesado para os perdedores...

Êta pardal gordo...

Mas aí vão aparecer alguns sugerindo aquele tipo de terapia que investiga "vidas passadas"... Respeito, mas acho que não é meu caso.

Até pq vão aparecer algumas, sugerindo que meu blá-blá-blá é só desculpa esfarrapada para rever e rever Vanessa Redgrave, Juliette Binoche e Eva Green... hehe. Todo peso tem sua compensação nessa balança de sentimentos, não?

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