29 março 2006

2006 :: E Um Brasileiro tem Vez

Pois é. Daqui pouco mais de 12 horas o simpático Marcos Pontes entrará para nossa história como o primeiro brasileiro a ir - literalmente - para o espaço. Nossa mídia, sempre que trata do tema, gosta de mostrar imagens de Santos Dumont. Perde de novo a oportunidade de sanar uma injustiça histórica: o paraense Julio Cezar Ribeiro de Souza é de fato o primeiro brasileiro 'aéreo', 'lunático'. Conheci-o há poucos dias, em um documentário exibido pela Cultura. Mas essa é outra história.

Hoje a história é do Marcos Pontes, de Bauru. Ladeado por um russo e um estadunidense, ele colocará o Brasil em algumas linhas do longo livro que narra nossas odisséias espaciais. De novo, e depois de um século, como um coadjuvante um pouco mais importante. Entendam: não estou desmerecendo o sucesso do Marcos. Muito pelo contrário. Vi hoje o desenho de um foguete que ele fez aos 5 anos de idade. É fascinante ver um cara brigando pelo seu destino. Mas temo que, de novo, alguns ufanistas e principalmente os céticos-críticos nos roubem a dimensão prática do feito. Nos falta equilíbrio. O meio termo. Sorte nossa que o Marcos parece demonstrar maturidade suficiente para lidar com mais uma polarização estúpida de nossos 'formadores de opinião'.


Odisséias


Outubro de 1945. O mundo ainda está tomado pelas sombras da 2ª guerra. A Inglaterra ainda exibe marcas dos bombardeios nazistas. Um moleque chamado Arthur Clarke publica um artigo chamado "Extra Terrestrial Relays". Prevê que satélites geoestacionários revolucionariam as telecomunicações. Seu artigo parecia mostrar que os 'ocidentais' estavam anos-luz à frente dos 'soviéticos'. Mesmo sem a real necessidade de uma estrutura de comunicações global, afinal a URSS era um bloco geográfico único, começou ali uma corrida. A tartaruga, no caso os EUA, não ouviu o tiro da largada.

Outubro de 1957. No dia 4, pra ser mais preciso, a URSS joga no espaço o Sputnik. Só então os EUA perceberiam que estavam em uma corrida. Alvoroço e vergonha. E medo, obviamente. Que disparou uma revisão de seu sistema de ensino! "Por que o Joãozinho não sabe ler?" Enquanto isso, numa esquina do terceiro mundo, todo mundo morria de rir com uma nova comédia do Oscarito, "O Homem do Sputnik". Ensaiávamos então uma valsa industrial. Com um pé atolado na lama agrícola. Lama manchada de sangue. Mas essa também é outra história.

Abril de 1961. No dia 12 o também sorridente Yuri Gagarin crava seus pés na história da humanidade. É o primeiro homem a ver a terra bem de longe. Dizem que ele disse que não viu Deus. Polarização de verdade ocorria naqueles dias. E os 'comunistas' pareciam ganhar de goleada a partida espacial. Do outro lado do mundo um tal JFK prometeu: "no final da década pisaremos na Lua". Pisaram. O resto é história.

Março de 2006. Um simpático cara de Bauru, uma das várias esquinas do terceiro mundo, será jogado no espaço por um foguete russo. Partirá do mesmo lugar que catapultou Gagarin. Com o mesmo sorriso. Sua pátria, orgulhosa, não tem mais Oscarito. Tem Mainardi. Ainda tem um pé atolado na lama agrícola. Lama manchada de sangue e estupidez. Ainda tem joãozinhos que não sabem ler.


Mas eu estou orgulhoso do feito do Marcos. É o primeiro brasileiro lá. Provavelmente, o primeiro astronauta a compor sua própria trilha sonora (literalmente - o cara é músico). É o cara certo. Pena que a hora, para nós brasileiros (vide a história do Julio Cezar e do Santos Dumont), parece estar sempre errada.



28 março 2006

desktopblues

É um pecado que o BlueNoir fique tanto tempo sem falar de blues...

It's a shame... hmmmmm

Pra compensar, saca só que brinquedinho divertido é o desktopblues.




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27 março 2006

Pro Véio

O Paulo Fernando Nogueira estaria completando 59 hoje. Idade "bonita e triste", ele diria. Me lembro de vê-lo triste completando 30 e depois 40. Disfaçava perguntando "tô bonito ou sou bonito?". Brigo comigo mesmo tentando ser original e tentando achar algo original pra dizer. Pra exprimir a saudade. É difícil. As palavras não aparecem.

Eu poderia, como em outro post, surrupiar a letra do Bittencourt e dizer: "naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele tá doendo em mim". Ou apelar pro Bono e concluir que a relação pai X primogênito é cheia de clichês:

"Não preciso ouvir você dizer
Que se não fôssemos tão iguais
Você gostaria mais de mim"

"É você que vejo quando me olho no espelho"

"Você não tem que fazer tudo sozinho"

Acho que vou contar uma historinha. Só dele e minha:


Eu morava na Mutuca, 15km de Vga. Toda sexta voltava pra casa. Parada obrigatória no bar do Ferreti, um quarteirão distante de casa. Ele já tava lá, no balcão, tirando espuma de cerveja do bigodão. Eu estava muito feliz e empolgado. Logo após o primeiro gole estiquei o braço e lhe dei um tapinha no ombro: "Vai virar vovô, hem?"

Ele fez cara de susto e, em seguida, de seriedade. Me olhou d'um jeito que só ele olhava e falou: "Que que você aprontou?"

Dei uma gargalhada. Ele ainda não sabia que a Ju, a única filha casada, estava grávida.

Fui o primeiro a vê-lo com cara de avô. Parecia não combinar com seu estilo largado e charmoso. Não combinava, principalmente, com seus cabelos totalmente pretos. Vô Paulinho nasceu ali. Sem jeito mas feliz.

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Thank you for Smoking



Elenco legal. Diretor novo. Roteiro ácido. Combinação boa. Resta saber se o resultado final corresponde. O site dá boas pistas. E o blog do Jaison Reitman, o diretor, é uma inovação legal.


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23 março 2006

Scratch #053

"Sejamos claros desde o início: não encontraremos nem um fim para a nação, nem para a nossa satisfação pessoal na mera continuação do progresso econômico, em exaurir, infinitamente, os bens terrenos. Não podemos medir o espírito nacional com base nos índices Dow-Jones, nem os sucessos nacionais com base no produto interno bruto. Porque o produto nacional bruto compreende a poluição do ar e a propaganda dos cigarros, assim como as ambulâncias para liberar as nossas estradas da carnificina. Coloquemos na conta as fechaduras reforçadas que usamos para trancar nossas portas, assim como os cárceres para aqueles que as arrombam. O produto interno bruto compreende a destruição das nossas árvores coníferas e do lago Superior. Aumenta com a produção de napalm, de mísseis e bombas nucleares e compreende também a pesquisa para evitar a disseminação da peste bubônica. O produto nacional bruto insufla-se com os equipamentos que a polícia usa para conter as revoltas nas nossas cidades; embora não diminua por conta dos dados que estas revoltas provocam, aumenta quando se reconstroem as sarjetas sob os seus escombros. Compreende o fuzil de Whitman e a faca de Speck, assim como a transmissão de programas de programas televisivos que celebram a violência para vender mercadorias às nossas crianças.

"E se o produto interno bruto compreende tudo isso, muitas coisas não foram calculadas. Não levam em conta o estado de saúde de nossas famílias, a qualidade da educação delas ou a alegria das suas brincadeiras. É indiferente à decência das nossas fábricas, assim como à segurança das nossas ruas. Não compreende a beleza da nossa poesia ou a solidez dos nossos matrimônios, a inteligência das nossas discussões ou a honestidade dos nossos funcionários públicos. Não leva em consideração nem a justiça dos nossos tribunais nem a justeza das relações entre nós. O produto interno bruto não mede nem a argúcia, nem a nossa coragem, nem a nossa sabedoria, nem os nossos conhecimentos, nem a nossa compaixão, nem a devoção ao nosso país. Em resumo, mede tudo, menos aquilo que faz com que a vida valha a pena ser vivida; e pode nos informar de tudo sobre a América, exceto se temos orgulho de ser americanos."

- Robert Kennedy





Achei a citação em "Criatividade e Grupos Criativos", de Domenico de Masi. Arrisquei até fazer uma pequena adaptação para nossos tempos e nossa Pindorama. Desnecessário. O discurso de Bob Kennedy, pouco antes de ser assassinado aos 42 anos de idade, já diz tudo.

A gente só deve começar a se preocupar com as eleições depois da copa, né? Uma eleição que tem tudo pra ser insípida, repetitiva, conformada. O ridículo "limite do possível" principiado pelo mais vaidoso dos brasileirios, Mr FFHH. "Lula a doré" (mal passada) versus "Picolé de chuchu". E eu aposto que o tal PIB aparecerá em todos os discursos e debates. A gente merece?


03 março 2006

Experiências

Ontem o Cacá me cobrou que há tempos eu não publicava aqui um texto do Luciano Pires. Calhou que seu artigo de hoje é bem legal:

EXPERIÊNCIAS

Recebi de um leitor, o Alberto, um texto instigante. Lá pelas tantas ele escreveu: “Há um mês fiz uma entrevista numa agência de emprego aqui no Rio de Janeiro. Passei por todo aquele ritual já conhecido. No meu currículo estava toda a minha história profissional. Só que a entrevistadora disse que a empresa que iria me contratar não queria saber da minha vida há 15 anos. Apenas dos últimos 6 anos. Ora, minha vida não se resume a 6 anos. Minha vida é tudo aquilo que realizei, até atividades fora do âmbito profissional. Fui empacotador de supermercado, office-boy, jogador de futebol, pegador de bola de tênis e garçom. Em todas essas atividades, desenvolvi muitas habilidades, dentre as quais posso destacar: como empacotador, desenvolvi a capacidade de organização. Como office-boy, desenvolvi a capacidade de comunicação; como jogador de futebol desenvolvi a capacidade de saber que em grupo existe complexidade de comportamentos, pensamentos e sentimentos. E também a capacidade de trabalhar com grupos numerosos. Como pegador de bola de tênis desenvolvi a capacidade de estar no lugar exato, para que o jogo de tênis não pare; como garçom desenvolvi a habilidade de saber atender bem. Esqueci que também trabalhei como técnico em eletrônica, o que me ajudou a desenvolver a habilidade de não julgar precipitadamente um problema, sem conhecê-lo por completo”.

Essa foi a frustrante experiência do Alberto na busca por um emprego. Pois eu nunca me canso de dizer que grande parte de meu sucesso profissional se deve à experiência adquirida no tempo em que fui goleiro de futebol de salão. Olhar o jogo de um ângulo diferente dos outros jogadores, reagir com velocidade, arriscar arremessos e manter o sangue frio. Já pensou se eu colocar essa experiência em meu currículo? Vão dar risada...

Interessante, não é? Você já parou para pensar nas experiências que adquiriu ao longo da vida? E como elas ajudaram a compor o que você é hoje?

Pois uma experiência que adquiri foi a de observar o grau de pocotice do meu interlocutor. Um entrevistador que não se interessa pelo meu passado distante, que não pergunta sobre meus hobbies, que não quer saber das coisas que me apaixonam, não me serve. Aliás, a empresa que tem um entrevistador assim não me serve. Esse tipo de gente é uma amostra do que encontrarei em outras áreas da organização: mais pocotós.

O Alberto concluiu que isso acontece porque as pessoas só se preocupam em seguir fórmulas prontas. Pode ser. Mas acho que é mais que isso.

Acho que a superficialidade de nosso tempo está formando uma geração de cagões. Gente que tem medo de ousar, de arriscar, de exercitar sua liberdade, de opinar... Gente que jamais vai refletir sobre o valor de uma experiência.

Gente que só vai experimentar a experiência dos outros.


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