Nós, que fazemos histórias em quadrinhos, vivemos um momento importante na história brasileira. Enquanto você lê o texto, nesse exato momento, em algum lugar de Brasília, circula o Projeto de Lei 6581/06, que estabelece mecanismos de incentivo para a produção, publicação e distribuição de revistas em quadrinhos nacionais. Ainda que existam pessoas contrárias a presença do estado dentro da indústria de entretenimento – como as HQs – a idéia pode dar o empurrão que faltava a muitos artistas independentes. Vejamos por que e qual sua opinião a respeito.
1o LUGAR: VOCÊ CONHECE O PROJETO?
Eu não conhecia, nem tampouco seu autor, o deputado Simplício Mário, do PT do Piauí. Até que, por curiosidade, encontrei sua página no www.camara.gov.br e fiz download do projeto. Se o senhor em questão ama quadrinhos ou não, o importante está no documento que já passou por algumas etapas e agora, now, in this moment, aguarda parecer das comissões de Educação e Cultura, Finanças e Tributação e Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Ou seja, se não avançar por alguma fase da burocracia, game over.
Então se você faz quadrinhos e gostaria de viver da sua arte, veja alguns pontos do projeto:
O artigo 2o prevê que “as editoras deverão publicar um percentual mínimo de 20% de HQs de origem nacional”. Uma parte da classe acredita que, da mesma forma como acontece com outras artes, o investimento das empresas será feito nos grandes nomes, já estabelecidos e com retorno financeiro garantido, ao invés de apostar no novo talento. Pode ser, pode não ser. Mas cabe a nós, sugerir esta mudança no Projeto antes que vire Lei.
Por um lado mais otimista, já que os lançamentos serão graduais – apenas 5% no primeiro ano de vigência da lei, 10% no segundo e assim sucessivamente – levará quatro anos para atingir a cota de 20%. Uma analogia com a chamada “cota de tela” (art. 55 da Medida Provisória 2.228-1 de 06/09/2001) que abre mais espaço para os filmes nacionais nas salas de cinema. Entretanto, a partir da promulgação da “lei dos quadrinhos”, os autores terão álibis para apresentarem seus trabalhos aos grandes editores que, se forem espertos, poderão perceber a grandeza e o potencial comercial de uma revista em quadrinhos perante um livro.
Sigamos em frente. O artigo 4o é bacana: “Em se tratando de veículos impressos de circulação diária, semanal ou mensal, deverá ser observada a relação de uma tira nacional para cada tira estrangeira publicada”. Alguns veículos já o fazem isso, outros não. Mas além da proporcionalidade, é preciso mais incentivos para que os jornais chegassem a ter uma página (ou mais) de quadrinhos, como um dia foi O Globo, por exemplo. Antes de reformular seu projeto gráfico, o JB tinha mais da metade de sua página com artistas nacionais. Porém, perdeu a oportunidade de fazer uma seleção pública, como a Folha de SP, para novos ilustradores, quadrinistas e cartunistas. Porém o Caderno B pode dar uma bola dentro de começar a debater o assunto em suas matérias de capa, como faz com o cinema e a indústria fonográfica.
Outro artigo legal é o 5o. Através dele, o poder público implementará medidas de apoio para estimular a leitura em sala de aula, promover eventos e encontros de difusão do mercado editorial (imagine ter de novo a Bienal de Quadrinhos como existe a do Livro), e a inserção de disciplinas práticas – como roteiro e desenho – no currículo das escolas e universidades públicas.
Como alguém ainda não se tocou de usar mais quadrinhos no material didático que o MEC compra aos montes todos os anos? Quanto mais cedo a criança conhecer uma HQ, recortar, folhear, rabiscar, mais ela gostará de quadrinhos. E além de educar, que é uma das mais nobres tarefas do mundo, estará formando-se um novo público leitor. Isso é importantíssimo se levarmos em conta que, nos últimos anos, a HQ perdeu espaço pra TV, pro cinema, pra internet e pro videogame.
O artigo 6o é, do ponto de vista prático, um dos melhores. Diz assim: “os bancos e as agências de fomento federais estabelecerão programas específicos para apoio e financiamento à produção de publicações em quadrinhos de origem nacional, por empresa brasileira, na forma de regulamentação”. Ou seja, você poderá chegar, por exemplo, no Banco do Brasil, BNDES ou Caixa Econômica e se inscrever num Programa Pró-HQ para conseguir empréstimos e, por que não, apoio jurídico e institucional, para realizar seu sonho e lançar suas revistas.
Viaja nisso. O mais difícil no lançamento de uma HQ é imprimir, distribuir e, principalmente, manter uma boa tiragem e uma periodicidade. A partir do momento em que você tiver um plano de viabilidade do negócio (para não pôr dinheiro em algo fadado a dar errado) e algumas “bonecas” do gibi comprovando que já existe roteiro, personagens e páginas já rascunhadas, poderá mandar pra gráfica, distribuir em variados pontos de venda e tentar viver do que você gosta. Existe algum mal nisso? Se o músico também adoraria se sustentar da sua própria criação, por que o quadrinista tem que viver de trabalho free lancer desenhando apenas as idéias dos outros?
Ainda dentro desse artigo, o 2o parágrafo está OK (“os projetos financiados com recursos públicos deverão destinar percentual de, no mínimo, 10% da tiragem para bibliotecas públicas”) por que é um prazer ter as HQs ao lado dos livros, porém o 1o parágrafo propõe que “será dada preferência àqueles de temática relacionada com a cultura brasileira”. O grande problema disso é cair no nacionalismo que rege os editais do Ministério da Cultura. Ou seja, a prioridade será para HQs de folclore, samba, etc e tal. Nada contra. Mas precisamos discorrer com o Dr Simplício Mário sobre o que chamaremos de cultura brasileira.
Basicamente é isso. Eu parei e li o projeto do deputado piauiense. Para quem gosta e/ou faz quadrinhos, é melhor uma lei que os proteja do que nada. É possível ser íntegro e independente, mas sem dinheiro não se publica revistas. Em papel, claro, antes que apareça um entusiasta da web dizendo que a rede é a salvação. Para que ela seja aprovada é necessário que a própria classe esteja unida em prol dela, e não contra. Sem pressão externa, é bem possível que o projeto tenha sua votação adiada por muito tempo. Ou quem sabe até esquecido numa gaveta de arquivo da capital federal? A hora é agora, vamos discutir o que pretendemos para fazer do hobby profissão, e conquistar um futuro com final feliz.
>> PEDRO DE LUNA, 31 anos.
Escreve, desenha e organiza eventos.
Escreve no Jornal do Rock, sk8.com.br e Punknet.com.br
Desenha tiras, quadrinhos, charges e cartuns. Dá aula para criança e adolescente.
Organiza o movimento Araribóia Rock, em Niterói (Rio de Janeiro).
Disposto a trocar idéias.
pedro@sk8.com.br / pedrodeluna@laboratoriopop.com
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