19 maio 2006

São Paulo - Santa Paciência

Passei o último final de semana assustado e triste com todas as notícias que chegavam de São Paulo. Preocupado com os diversos amigos que tenho lá. O 'pânico' que vazava da tela da TV causava um sentimento muito ruim. Sentimento de fim. Angústia. Só senti algo igual no 11 de setembro. As duas vezes que minha mãe falou "ainda bem que você está aqui" (morei lá nos últimos 8 anos), só fizeram aumentar meus temores.

Três cenas, infelizmente, ficarão gravadas por um bom tempo em minha mente. A primeira, em ordem cronológica, é daquele carro civil cravado de balas e encaixado num poste. Estavam ali um policial (fora de serviço) e sua namorada de pijamas. Iam ajudar um vizinho. A segunda cena é do enterro de outro policial. Seu filho, de 5 anos de idade, chorando. A terceira veio na falsa calmaria da noite de segunda. A avenida Paulista, minha avenida preferida, vazia. Nunca imaginei ver a Paulista vazia. Hora nenhuma, dia algum.

De lá pra cá, do Fantástico ao Casseta&Planeta, da Folha ao Datena, da mãe ao colega distante, da Soninha ao FHC, tudo que vi, li e ouvi é desencontrado, desengonçado. Desgraçado.

Por uma coincidência (indesejada) estive em Sampa na última quarta. Parecia normal, parecia tranquilo. Uma observação que se provava falsa toda vez que vc parava para prestar atenção por 30" em uma pessoa qq, na Paulista, no Metrô ou no terminal Tietê. Qq estampido de um 'trac' causaria uma certa bagunça. A tensão e o temor, de certa forma 'naturais' em Sampa, agora têm um tom mais dramático. E muito triste. Muito triste.

Já usei aqui, ou em outro blog, o termo "mansidão bovina". Surrupiei do Clóvis Rossi, da Folha. Ele a criou para criticar a passividade do brasileiro. Provavelmente ele a utilizou na época do panelaço na Argentina, ou quando alguns peruanos lincharam e mataram em praça pública um prefeito corrupto.

Quem é de fora e testemunha nossos carnavais, nossas festas, nossa alegria enfim, não tem idéia do tanto de sacanagem que fazem conosco. É difícil ter noção do tanto que já roubaram desse povo que parece não ligar. Não tô falando só da parte tangível do roubo não. Não é a grana não. Tô falando do tanto de vida que já levaram. Do tanto de vida que condenaram. Direta e indiretamente.

Talvez tal alienação (mansidão) prossiga. Basta que a parte condenada (fdp) dos excluídos sejam controlados em seus cantos (teoricamente) controlados. Pq a única coisa que eles roubaram (que não tinha sido roubada antes pelos FDP não condenados) foi a falsa alegria e o tal direito de ir e vir. Eles fizeram os bois mansos ficarem confinados. Escondidos mesmo. "Tão matando até pulícia. O que será di nóis?".

Até a manhã de hoje eu tava com medo de falar sobre o assunto. No meio de tanta "pena de morte já!" e outros blablablás, eu só arrumaria confusão. Surgiu de onde eu menos esperava uma pontinha de esperança. Surgiu numa cabeça de 71 anos de idade, ex-Arena, ex-PP, fundadora do PFL (o partido mais ridículo do Brasil). Pois é, veio do Cláudio Lembo, governador (meio sem querer) de São Paulo. Ou é a prova definitiva de que tá todo mundo louco, ou se trata sim de algo que deveria ser lido em cadeia nacional:


Lembo - É ridículo falar isso mas o Brasil só acredita na camisa da seleção, que é símbolo de vitória. É um país que só conheceu derrotas. Derrotas sociais...Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa.

Folha - Que ficou assustada nos últimos dia.

Lembo - E que deu entrevistas geniais para o seu jornal. Não há nada mais dramático do que as entrevistas da Folha [com socialites, artistas, empresários e celebridades] desta quarta-feira. Na sua linda casa, dizem que vão sair às ruas fazendo protesto. Vai fazer protesto nada! Vai é para o melhor restaurante cinco estrelas junto com outras figuras da política brasileira fazer o bom jantar.

Folha - Tomar conhaque de R$ 900 [preço de uma única dose do conhaque Henessy no restaurante Fasano].

Lembo - Nossa burguesia devia é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país.

Folha - O senhor acha que essas pessoas são responsáveis e não percebem?

Lembo - O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a inquisição de 1500 até 1821. Então você tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é o que está na sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que é dúbio.

Folha - Onde o senhor responsabiliza essas pessoas?

Lembo - Onde? Na formação histórica do Brasil. A casa grande e a senzala. A casa grande tinha tudo e a senzala não tinha nada. Então é um drama. É um país que quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA. Então é um país cínico. É disso que nós temos que ter consciência. O cinismo nacional mata o Brasil. Este país tem que deixar de ser cínico. Vou falar a verdade, doa a quem doer, destrua a quem destruir, porque eu acho que só a verdade vai construir este país.

Folha - Mas qual é, objetivamente, a responsabilidade delas nos fatos que ocorreram na cidade?

Lembo - O que eu vi [nas entrevistas para a Folha] foram dondocas de São Paulo dizendo coisinhas lindas. Não podiam dizer tanta tolice. Todos são bonzinhos publicamente. E depois exploram a sociedade, seus serviçais, exploram todos os serviços públicos. Querem estar sempre nos palácios dos governos porque querem ter benesses do governo. Isso não vai ter aqui nesses oito meses [prazo que resta para Lembo deixar o governo]. A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações.

...

Folha - O senhor diz que muita gente falou besteira sobre os episódios. Dos EUA, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou a possibilidade de o governo ter feito acordo com os criminosos para cessar a violência.

Lembo - Eu acho que o presidente Fernando Henrique poderia ter ficado silencioso. Ele deveria me conhecer e conhecer o governo de SP. Eu não posso admitir nem a hipótese de se pensar isso. Para opinar sobre um tema tão amargo, tão grave, ele teria que refletir, pensar. E se informar. Quanto ao presidente [FHC], pode ser que eventualmente ele tenha precedente sobre acordos. Eu não tenho.

Folha - Vimos o senhor dando muitas entrevistas na TV. Mas SP teve um outro governador [Alckmin], tem um candidato ao governo e ex-prefeito [Serra]. O senhor ficou sozinho?

Lembo - No poder, um homem é absolutamente solitário. Houve momentos em que praticamente fiquei sozinho. Mas devo agradecer a Polícia Militar e a Polícia Civil também, que estiveram firmes ao meu lado.

Folha - O ex-governador Alckmin telefonou para o senhor em solidariedade?

Lembo - Dois telefonemas.

Folha - O senhor achou pouco?

Lembo - Eu acho normal. Os pulsos [telefônicos] são tão caros...

Folha - E o candidato José Serra?

Lembo - Não telefonou. Eu recebi telefonema da governadora Rosinha [do Rio de Janeiro] e de Aécio Neves [governador de MG], que estava em Washington, ele foi muito elegante. Um ofício do governador Mendonça, de Pernambuco. Recebi muitos apoios, do Poder Judiciário, e a Assembléia Legislativa, deputados de todas as bancadas, nenhum partido faltou.

...

[Agora, no Terra:]

E em que momento o senhor pensou: "Vou esvaziar o pote"?
Foi uma necessidade. Em um momento de tanta dor, tanto desespero social e desespero das pessoas em si, das que morreram, eu tinha, tenho que dizer isso. É um momento em que a sociedade tinha, tem que sentir esse choque duro da realidade que ela não quer conhecer.

Uma sociedade, pequeníssima parcela, que vive atrás de muros altos, grades, com os carros blindados...
...viajando ao exterior, trazendo os melhores vestidos do exterior.

"Vestidos" talvez não seja uma palavra, uma expressão muito adequada para ser usada neste Palácio...
Eu nunca me equivoco no que eu falo. Eu sempre penso antes de falar.

Em alguns momentos a sua conhecidíssima ironia passeia pela conversa. O senhor disse que nestes dias o ex-governador Alckmin deu apenas dois telefonemas porque "o impulso telefônico está caro".
Muito caro, realmente.

O senhor sabe quanto está o impulso telefônico?
Eu não sei, mas eu posso perguntar para o portal Terra, que é da Telefônica, eles vão me contar.

E se o ex-governador ligasse a cobrar, não poderia ser uma boa solução?
Eu pagaria.

E o ex-prefeito, Serra, candidato a sucedê-lo, já telefonou para cá?
Aí pode ser um problema de amnésia, eu compreendo.

Mas de lá (sexta-feira, início dos ataques) para cá ele não telefonou?
Não, ainda não telefonou.

Ele está no Brasil?
Não, ele está nos Estados Unidos, salvo erro.

Onde acho que também está o ex-presidente Fernando Henrique...
Também está nos Estados Unidos.

Ele telefonou?
Não, não telefonou. Apenas fez críticas.

Mas não disse nada?
Não, não.

Quando o senhor nos diz isso, o senhor entende que talvez o ex-prefeito da cidade e candidato a governador do estado devesse, ao menos, ter feito o gesto de telefonar?
Eu não sei o que está acontecendo. Talvez ele não tenha acesso a meios de comunicação brasileiros, e não viu, não assistiu. Ou não quis eventualmente se envolver em episódio tão amargo e triste. Quis se preservar.






As entrevistas (históricas e imperdíveis) podem ser lidas na Folha e no Terra.

Cordeiro em pele de cordeiro. Lobo em pele de lobo. E lobo em pele de cordeiro.
Em ano eleitoral, é uma boa saber distinguir vestimentas. E as origens delas!


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