03 março 2006

Experiências

Ontem o Cacá me cobrou que há tempos eu não publicava aqui um texto do Luciano Pires. Calhou que seu artigo de hoje é bem legal:

EXPERIÊNCIAS

Recebi de um leitor, o Alberto, um texto instigante. Lá pelas tantas ele escreveu: “Há um mês fiz uma entrevista numa agência de emprego aqui no Rio de Janeiro. Passei por todo aquele ritual já conhecido. No meu currículo estava toda a minha história profissional. Só que a entrevistadora disse que a empresa que iria me contratar não queria saber da minha vida há 15 anos. Apenas dos últimos 6 anos. Ora, minha vida não se resume a 6 anos. Minha vida é tudo aquilo que realizei, até atividades fora do âmbito profissional. Fui empacotador de supermercado, office-boy, jogador de futebol, pegador de bola de tênis e garçom. Em todas essas atividades, desenvolvi muitas habilidades, dentre as quais posso destacar: como empacotador, desenvolvi a capacidade de organização. Como office-boy, desenvolvi a capacidade de comunicação; como jogador de futebol desenvolvi a capacidade de saber que em grupo existe complexidade de comportamentos, pensamentos e sentimentos. E também a capacidade de trabalhar com grupos numerosos. Como pegador de bola de tênis desenvolvi a capacidade de estar no lugar exato, para que o jogo de tênis não pare; como garçom desenvolvi a habilidade de saber atender bem. Esqueci que também trabalhei como técnico em eletrônica, o que me ajudou a desenvolver a habilidade de não julgar precipitadamente um problema, sem conhecê-lo por completo”.

Essa foi a frustrante experiência do Alberto na busca por um emprego. Pois eu nunca me canso de dizer que grande parte de meu sucesso profissional se deve à experiência adquirida no tempo em que fui goleiro de futebol de salão. Olhar o jogo de um ângulo diferente dos outros jogadores, reagir com velocidade, arriscar arremessos e manter o sangue frio. Já pensou se eu colocar essa experiência em meu currículo? Vão dar risada...

Interessante, não é? Você já parou para pensar nas experiências que adquiriu ao longo da vida? E como elas ajudaram a compor o que você é hoje?

Pois uma experiência que adquiri foi a de observar o grau de pocotice do meu interlocutor. Um entrevistador que não se interessa pelo meu passado distante, que não pergunta sobre meus hobbies, que não quer saber das coisas que me apaixonam, não me serve. Aliás, a empresa que tem um entrevistador assim não me serve. Esse tipo de gente é uma amostra do que encontrarei em outras áreas da organização: mais pocotós.

O Alberto concluiu que isso acontece porque as pessoas só se preocupam em seguir fórmulas prontas. Pode ser. Mas acho que é mais que isso.

Acho que a superficialidade de nosso tempo está formando uma geração de cagões. Gente que tem medo de ousar, de arriscar, de exercitar sua liberdade, de opinar... Gente que jamais vai refletir sobre o valor de uma experiência.

Gente que só vai experimentar a experiência dos outros.


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1 comentários:

Paulo Vasconcellos disse...

Deixei um comentário lá no fórum do Luciano. Achei legal postá-lo aqui tb. Lá vai:

Aconteceu comigo, um pouco antes d'eu resolver dar um pinote de 180° em minha carreira: uma empresa 'caçadora de cabeças', que há tempos tentava me 'vender', me contactou com uma oportunidade. Era uma empresa pequena mas promissora. Especializadíssima em 'segurança da informação' e coisas do tipo. "Fica na região da Berrini". (Mais que cultura e filosofia, parece que a localização de uma empresa, particularmente em Sampa, é mais importante. Assim como nossas vestimentas, não?) Seguindo: meu perfil, dizia a 'caçadora', batia 100% com as necessidades da empresa: "Posso marcar uma entrevista?". "Lógico", eu disse, lembrando-a minha preferência por empresas "pequenas e promissoras". Organizações que seriam livres de vícios e pocotices burocráticas que contaminam 9 em 10 empresas "grandes".

Dois dias depois ela me ligou novamente, cheia de pedidos de desculpas. Meu currículo fora recusado: "Você não tem curso superior, e eles EXIGEM formação superior, de preferência na USP". Agradeci a atenção e o tempo perdidos.

Pouco mais de um mês depois recebi uma ligação daquela empresa, não a 'caçadora de talentos' mas a que exigia um diploma USP. Meu interlocutor não me ligou ao currículo recusado. Bateu um longo papo comigo, querendo contratar uma "consultoria especial". Pagaria por ela 500% a mais do que seria meu salário. Nem perguntou sobre a formação daquele consultor que salvaria sua vida.

Estou completando 20 anos de vida profissional. Meu trabalho sobre "Aprendizagem Organizacional" foi utilizado por professores da USP no ano passado. Um antigo artigo (97), sobre CMM, foi base de um trabalho de pós-graduação da FASP. Minha palestra sobre "Engenharia de Requerimentos" foi considerada uma das melhores em um evento da SUCESU/PMI, há alguns anos, com mais de 500 coordenadores de projetos na platéia. Mas eu não tenho diploma.

Garanto que não é por preguiça.
Nem pocotização luliana. Só não tive tempo. Ainda.