10 dezembro 2006

Eu não sei de nada...

... mas desconfio de muita coisa.


Apesar de "Libertas quae sera tamem" ser legalzinha, eu trocaria a frase de nossa bandeira. Colocaria a frase acima, que surrupiei d'um livro que (que vergonha!) nunca li. Aliás, eu trocaria toda a bandeira de Minas. Mas isso é outro assunto. Hoje eu quero falar de um livro que nunca folheei.

Queria culpar a Dona Rosângela, que gastou quatro anos nos fazendo ler, reler e provar a leitura de "Alienistas", "Iracemas" e "Engenhos" que eram chatos, incompatíveis com as mentes virgens de moleques e molecas de 11-14 anos de idade. "Dom Casmurro" deve aliviar um pouco a pena dela. Mas nos privar de João Guimarães Rosa foi um pecado. Mortal.

Idêntico ao que cometo agora, querendo comentar um livro que não li. Acabei de surrupiá-lo da estante do Cacá, com a intenção de surrupiar alguns trechos. Um ladrão de percepções, emoções e frases.

Deve ter um ano que comecei a prestar atenção em "Grande Sertão: Veredas". O Cacá normalmente é muito comedido em seus comentários e indicações. Mas não esconde sua paixão pelo texto do Guimarães.

Tanto que sua leitura, junto com o Tio Paulo, Tio Moacir e Dejacir, quase ninguém fez. Com certeza, ninguém daquela multidão que a Globo tá mostrando desde ontem em seus telejornais.

O quarteto vasculhou parte do Grande Sertão. Visitaram Gramogol que, acabo de descobrir, não tá no mapa nem na Wikipédia (OPS: Veja atualiação abaixo). Vou chutar, mas acho que eles viram que os 50 anos que se passaram desde o lançamento da OBRA do Guimarães não passaram por lá. Dos papos que ficam meio anuviados pelo álcool, me lembro d'uma mudança significativa. As Diadorins viraram Pitangas. Camilas Pitangas. Mas seguem desdentadas. Seguem amáveis e apaixonantes.

Mas cá estou eu de novo... roubando emoções, paixões e percepções. É uma pena, mas o quarteto não é dado a transcrições digitais. Qualquer dia filmo o sarau que eles fazem no boteco do Deja e despejo aqui.

Mas não me sinto mais ladrão que a Bia Lessa, a Globo e a Mariana Godoy não. Estamos todos tirando proveito da OBRA e das emoções dos outros. Com a desculpa de 'comemorar' os 50 anos de "Grande Sertão: Veredas". O limitado tempo que a Globo tem pr'essas coisas só permite minúsculas citações e gracinhas:

"Dansa! É assim que deve ser. O "cedilha" prende a palavra. A DANSA deve ser livre, solta".
[foi mais ou menos assim]

"As palavras devem ser vestidas com roupa de domingo!"

Assim a televisão PRENDE 624 páginas da OBRA. Assim a Globo mostra o tanto que gosta e divulga cultura. Detalhe: o Zeca Pagodinho teve mais de meia-hora esses dias... ele vende, né? E paga jabá! 30 segundos pro Guimarães. 30 minutos pra 'Calcinha Preta'... E depois se acham com 'moral' pra dizer que o país não tá nada bem... Mas isso é outro assunto.

Meu assunto é um livro que tenho que ler (duas vezes) antes de morrer. Pq livro assim só leu quem leu duas vezes. A segunda pode ser da forma que o quarteto fez. Mas ela deveria existir. Toda obra muda com o 2º olhar. Toda boa obra muda. Hehe.. essa é uma boa forma de não dizer que mudamos e envelhecemos.

Sei lá... sei de nada não. Mas saca só:

"E eu era igual àqueles homens? Era. Com não terem mulher nenhuma lá, eles sacolejavam bestidades. - 'Saindo por aí,' - dizia um - 'qualquer uma que seja, não me escapole!' Ao que contavam casos de mocinhas ensinadas por eles, aproveitavelmente, de seguida, em horas safadas. - 'Mulher é gente tão infeliz...' - me disse Diadorim, uma vez, depois que tinha ouvido as estórias. Aqueles homens, quando estavam precisando, eles tinham aca, almiscravam. Achavam, manejavam. Deus me livrou de endurecer nesses costumes perpétuos. A primeira, que foi, bonita moça, eu estava com ela somente. Tanto gritava, que xingava, tanto me mordia, e as unhas tinha. Ao cabo, que pude, a moça - fechados os olhos - não bulia; não fosse o coração dela rebater no meu peito, eu entrevia medo. Mas eu não podia esbarrar. Assim tanto, de repente vindo, ela estremeceuzinha."

Assim tanto, quando a obra é boa, você abre em qualquer página, dá um 'pause' em qualquer cena, aperta 'shuffle', e extrai beleza. Ou feiúra e bestidades descritas, mostradas ou cantadas com personalidade, coragem e - de novo - beleza.

E o idiota aqui ainda não leu João Guimarães Rosa.

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Atualização (10/dez): e o idiota aqui não sabia que a dita Gramogol (falada com álcool no acelerador) na realidade é Grão Mogol, que tá sim na Wikipédia. Inclusive com mapa!

Tks Cacá, que só me alertou depois que o texto foi publicado no 2º jornal mais lido de Varginha...


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