O Globo - Edição do dia 10/11/2005 - Segundo Caderno
Política, rock e surfe nas malas de Eddie Vedder
Bernardo Araujo
Eddie Vedder pega um café e senta-se em um canto para telefonar para O GLOBO de sua casa em Seattle. O cantor do Pearl Jam virou a noite, dormiu algumas horas pela manhã — quando soube que seu amigo Kelly Slater havia faturado mais um título mundial de surfe, desta vez em Florianópolis — e não consegue tirar da cabeça... o próximo disco de sua banda. Não que não esteja feliz ou interessado nos países que vai visitar pela primeira vez, como o Brasil (a banda toca no Rio dia 4 de dezembro), mas o momento da criação está tomando todas as suas energias. Típico bom moço do rock, Vedder, de 40 anos, faz perguntas sobre o Brasil e ataca o governo Bush.
— Vou começar a pensar nos shows quando entrar no avião — confessa. — Não sei como será o repertório, isso depende de muitas coisas, não é? De como estaremos no dia, da situação do mundo, dos problemas de cada país... não tocaremos nada do CD novo, porque ele tem uma sonoridade diferente, deve ser ouvido todo de uma vez.
Quantos problemas, hein? Será que ele sabe alguma coisa sobre o Brasil?
— Mais ou menos — admite. — Andei pesquisando, mas ainda não li muito. Sei que Bush esteve por aí, não foi? E houve protestos. Tem um presidente de quem ele fala como se fosse o próprio diabo, é o seu?
Não, Eddie, os protestos mais fortes contra Bush foram na Argentina e seu inimigo é Hugo Chávez, da Venezuela.
— Isso, desculpe — diz. — Se Bush o demoniza, algo de bom ele deve ter feito.
Vedder e o Pearl Jam são o tipo de artistas que tem em seu site a seção “ativismo”.
— Fale-me sobre a situação política de seu país — pede, para depois escutar com atenção. — Sabe que acho que os EUA estão caminhando para isso, um lugar em que a riqueza está concentrada nas mãos de um número cada vez menor de pessoas? Você acha que esse escândalo tem a repercussão que merece ou o outro lado está forçando a barra, como no caso de Bill Clinton?
“É como ter uma fratura e não consertá-la”
Sua voz fica mais firme ao falar de Bush.
— É muito decepcionante ser cidadão americano atualmente — diz. — É como se você tivesse quebrado o quadril e, em vez de ir consertá-lo com uma cirurgia, acabasse se acostumando a andar torto, mancando, sentindo dor. Nossa vontade é andar para a frente, mas temos que neutralizar as forças que nos puxam para trás. Já começaram até a questionar a teoria da evolução das espécies. É como se dissessem que a Terra é plana.
O meio ambiente também é uma das preocupações do Pearl Jam.
— Jeff Ament, nosso baixista, colabora com uma fundação que mede os níveis de carbono no ar e elabora planos para as indústrias, mostrando-lhes maneiras de lucrar mais sem agredir tanto a natureza — diz. — Isso está começando a dar certo.
A amizade entre os músicos do grupo é um orgulho para Vedder.
— É um relacionamento de muitos anos, que só nos torna cada vez mais próximos — diz. — Conseguimos conversar sempre profundamente, sem jamais guardar mágoas. Acontecimentos como o festival de Roskilde ( na Dinamarca, quando oito pessoas morreram enquanto a banda se apresentava, em 2000 ) e o 11 de Setembro foram superados com as nossas união e amizade.
Já que quem tem amigos tem tudo, o Pearl Jam trará ao Brasil uma banda menos conhecida de sua geração, o Mudhoney.
— Estou muito feliz de poder viajar com eles — diz Vedder. — Sempre achei que eles mereciam mais sucesso do que nós.
Ele diz que a cena musical de Seattle ainda se parece com aquela que estourou em todo o mundo no início dos anos 90.
— Há muitas bandas e poucos lugares para se tocar — diz. — A maior parte do pessoal dos velhos tempos ainda está aqui, como Kim Thayil, do Soundgarden, e Kris Novoselic, do Nirvana, que mora em uma fazenda mas aparece de vez em quando.
Apesar da empolgação de viajar — “e, quem sabe, entrar na água e surfar” — ele admite que, principalmente depois de Roskilde, megashows não são sua praia.
— Não somos o tipo de artista que rende melhor em frente a dezenas de milhares de pessoas — diz. — Por isso preferimos as salas menores. É claro que, em lugares como o Brasil, temos que satisfazer os fãs que querem nos ver há tantos anos. Ouvi dizer que a procura por ingressos está boa, não é? Fico muito feliz. E não sei se merecemos.
Modesto, hein? Ele não consegue segurar uma risada quando questionado sobre a origem do nome Pearl Jam (“Geléia de pérola”), que viria de uma iguaria alucinógena que sua avó índia, Pearl, costumava preparar.
— É verdade! Tenho a receita. Fiz muita geléia aos 16 anos. Foi um bom ano.
13 novembro 2005
Warm Up - Pearl Jam, 02/dez - Pacaembu
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