23 novembro 2006

Troca de Músicas via Zune

Surrupiado do Pedro Doria (no mínimo)

A imprensa estrangeira está caindo em cima do novo player de música da Microsoft, o Zune. Coitado: é difícil mesmo, até para a empresa de Bill Gates, enfrentar um produto já tão sólido no imaginário das massas como o iPod. E, bem, o iPod é tão bem pensado, tão simples e no entanto poderoso, que a comparação fica ainda mais difícil para qualquer um.

Mas em meio às críticas, uma característica do Zune periga sair desacreditada perante o iminente fracasso da maquineta. É o sistema de trocas de músicas entre usuários. O tipo da coisa que faz todo sentido num MP3 player.

No Zune, funciona assim: o player tem WiFi. Então, se há outro Zune nas proximidades, o feliz usuário pode enviar uma música – ou uma fotografia – para o próximo.

O diabo é que tudo sai feito à moda da Microsoft: quer dizer, dá um gostinho das possibilidades que a tecnologia permite, mas que o portador do Zune não se acostume. É pela metade. A música tem prazo de extinção: três dias após recebida; e tem número de vezes para ser ouvida. Três, também. Três vezes em três dias.

O que sobra para quem quiser ouvir no quarto dia ou na quarta vez é um link para a loja de músicas da Microsoft. O prezado é convidado a comprar.

Cá no Brasil, não temos acesso à loja de músicas da Apple e, por conta das dificuldades da legislação de direitos autorais, provavelmente não teremos também acesso à loja da Microsoft. Ao menos, não a princípio.

Evidentemente, é justamente a legislação que se mete no caminho do compartilhamento de músicas. Dar música de graça, não pode. Tem dono: as gravadoras.

Só que é feito de qualquer jeito. É feito desde os tempos das fitas cassete que fazíamos para as namoradas, que adiante continuaram fazendo tão logo vieram os CDs graváveis e que hoje se faz enviando por email, pendrive ou seja lá o que for.

Existe uma lição por trás desse precário mecanismo de compartilhamento da Microsoft. É uma coisa que todo mundo quer que aconteça, que os engenheiros sabem que acontecerá, que as gravadoras resistem e por fim permitem – embora só um pouquinho.

Música, antes de haver gravadoras, era uma coisa social. Não deixou de ser. O melhor lugar para ouvir música continua sendo a sala de concerto – barulhenta em caso de rock, silenciosa se for jazz – mas fundamentalmente comunitária. Se a música gravada inventou a audição solitária, o mercado de massa tratou de corrigir isto. Todos ouvem solitários os mesmos discos para discuti-lo no dia seguinte.

Gravadoras nunca tiveram nada contra esse fator comunitário da música. Justamente o contrário: quanto mais gente ouve e recomenda e comenta, mais se vende. Daí a esquizofrenia repentina de querer controlar todas as cópias.

Como está, o mecanismo comunitário de audição do Zune não venderá muito mais que uma meia dúzia de aparelhos. E, como está, é só por faz-de-conta que as gravadoras desesperadas tentam impedir que a tecnologia faça o que todos desejam que ela faça. Porque CDs e e-mails e pendrives continuam sendo carregados com MP3s fresquinhas saídas de discos comprados. E, dessas mídias várias, continuarão inseminando iPods, Zunes ou sejá lá quais outros forem.

Compartilhamento comunitário é justamente a essência da internet e do mundo digital ao seu redor. É o que acontece em blogs, que reúnem grupos de amigos ou de gente com interesses similares; é o que acontece em Orkuts ou MySpaces da vida; é o que trouxe sentido à música digital. É a facilidade de compartilhamento de música que dá sentido ao iPod – ou a qualquer mecanismo que possa sustentá-lo.

Tentar controlar isso, no fim das contas, é só faz-de-conta. Não por fingir controlar. Mas por fingir que acredita que conseguirá controlar.

Não conseguirá.


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