15 outubro 2004

Vira-latas

Sigo 'surrupiando' (vez em quando) textos do Luciano Pires. Saca só:

Nelson Rodrigues, escrevendo em 1966 sobre o Brasil na copa do mundo de 1930, dizia que naquela época o brasileiro era um vira-latas. Tinha uma resignação bovina em ser cidadão de segunda classe, incapaz de acreditar em sua capacidade, até mesmo no futebol. Imediatamente refleti sobre como quebramos paradigmas de 66 para cá: de vira latas para pentacampeões; de analógicos para digitais; de físicos para virtuais; de átomos para bits; de fixos para móveis; de comunicação com fio para sem fio; de uso coletivo para uso personalizado; de dedicados para multifuncionais; de estatais para
privatizados...Interessante...
Há poucos dias vivi um momento de rara emoção ao acompanhar Wilson Fittipaldi vestindo seu macacão e entrando no FD01, o famoso Copersucar, primeiro carro de Fórmula 1 fabricado por brasileiros em 1974. O motor foi ligado e o carro, brilhando como novo, entrou na pista, 30 anos após ser apresentado ao povo em Brasília.
Emocionado, lembrei-me que tudo começou quando, ao entrevistar Wilson para um jornal de empresa em 2002, descobri a verdadeira história da primeira equipe de Fórmula 1 brasileira e entendi que poderíamos resgatá-la. Consegui, pelo programa cultural da empresa, recuperar o carro para comemorar os 30 anos da equipe no Salão do Automóvel de 2004.
O Brasil, 30 anos atrás, era totalmente diferente do país que conhecemos hoje. E aqueles loucos brasileiros conseguiram milagres... Um segundo lugar, dois terceiros, cinco quartos, quatro quintos, sete sextos. Em 1978, terminaram à frente de McLaren, Williams e Renault. Em 1980 empataram com McLaren e ganharam da Ferrari e Alfa Romeo. Emerson empatou com Villeneuve, da Ferrari, em 78. E com Alan Prost, da McLaren, em 80.
Entre 1975 e 82, enquanto a Equipe Fittipaldi estava nas pistas, saíram da categoria a Penske, Hesketh, Hill, Lola, Surtees, BRM e Shadow. A hoje poderosa Williams marcou 46 pontos em suas primeiras dez temporadas de 1969 a 78, enquanto os brasileiros marcaram 44 pontos em sete temporadas, de 1975 a 82. Frank Williams, para quem Wilson emprestou motores da equipe brasileira mais de uma vez, só "virou a mesa" quando
conseguiu um investimento milionário dos árabes. Mas apesar desses fatos, que orgulhariam qualquer país do mundo, a equipe brasileira entrou para a história como um fracasso, virando motivo de piadas para a mídia que, trinta anos atrás, nada conhecia sobre Fórmula 1.
Pois o Copersucar recuperado andou outra vez, junto com as lágrimas de Wilson e de quem assistiu a cena na última segunda feira. E virou notícia em horário nobre na TV.
Após uma simpática matéria no Jornal da Band, com Wilsinho falando de sua emoção e da história, o âncora Carlos Nascimento encerra com um comentário:
- Os Fittipaldi que me desculpem, mas esse carro era conhecido como “marcha lenta”.
E Joelmir Beting arremata:
- É que corria com gasolina. Devia ter corrido com cachaça.
Pois é... Em trinta anos, quebramos centenas de paradigmas. Menos o de Nelson Rodrigues. Continuamos vira-latas.

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